quarta-feira, setembro 05, 2012


Diferença: construção social        
 
(Carlos Jorge, Doutor em Sociologia, Especialidade: Relações Interculturais)

 

Desde que as sociedades existem e desenvolvem relações entre si a problemática da diferença existe enquanto fator de demarcação. Não é provável, pois, que exista uma cultura tão isolada que não tenha nenhuma espécie de relação com outras. Se isto é um axioma, dele decorre que a perceção da alteridade é um fenómeno universal e, consequentemente, a diferença é uma constante na história da humanidade.

 

A expansão das civilizações greco-romanas, os descobrimentos ibéricos, a formação dos grandes impérios coloniais e, mais recentemente, a globalização são momentos particularmente interessantes para compreender o modo imagético como o Ocidente construiu imagens poderosas para enclausurar o Outro em posições de inferioridade. A domesticação das diferenças é um legado da Antiguidade Grega. O conceito de bárbaro começou por designar simplesmente os povos não gregos, os considerados estrangeiros, os metecos, vindo mais tarde a considerar como bárbaros todos os povos diferentes deles, por estes não expressarem consideração pela polis, pela língua helénica e pelos ideais literários e artísticos das cidades-estados (cf. Mossé, [1993] 1999).

 

A partir do século XVIII, a leitura das narrativas do passado adquire uma nova dimensão. A ilustração passa a compreender a história em termos do desenvolvimento do espírito humano enfatizando a explicação das desigualdades a partir da natureza. O selvagem, como singularidade exótica, transmuta-se em homem dos primórdios da humanidade, o primitivo. A conceção de natureza humana universal ou a noção de humanidade, descrita por Lévi-Strauss ([1952] 2006), faz desaparecer a ideia de selvagem como construção exótica. As novas conceções admitem que as diferenças de costumes podem ser lidas como um grande mapa da humanidade e, consequentemente, explicar as várias etapas da evolução humana.

 

Até ao início da segunda Guerra Mundial, diversos biólogos, naturalistas, médicos, entre outros, contribuíram com os seus estudos para a definição conceptual das diferenças humanas em termos de raça, adquirindo a cultura uma nova importância. A racialização das diferenças foi um processo que se construiu e desenvolveu, sobretudo, em contextos coloniais. A distância cultural que separa o nativo da metrópole faz emergir uma cultura detentora de especificidades própria. É homogénea, com hábitos e valores simbólicos sustentados e não comparáveis: a racialização transmuta-se progressivamente, num processo de etnicização (cf. Fernandes, 1998; Machado F. L, 2002). Com este processo, que sucede com o fim da segunda Guerra Mundial e da ideologia nazi, que defendia a superioridade e a pureza racial, as explicações pela raça entram em declínio. Para isso, tem contribuído, em particular, a UNESCO que convidou reputados investigadores de diferentes áreas do conhecimento científico para construírem uma nova abordagem desta problemática. As referências à raça desaparecem substituindo-a por referências às diferenças étnicas e culturais. (Machado F. L., 2002: 327).

 

As diferenças manifestam-se através de declarações de pertença e de não pertença, de inclusão e de exclusão: “é suficiente para ‘nós’ estabelecer essas fronteiras na nossa mente; por conseguinte, ‘eles’ tornam-se ‘eles’, e tanto o território como a mentalidade ‘deles’ são referidos como sendo diferentes dos “nossos” (Said, 1997: 62). A diferença não é neutra, razão pela qual desenvolve tensões e conflitos, receios e inquietações (Wieviorka, [1992]1995; Touraine, 1998). A diferenciação apoia-se nas particularidades atribuídas de forma imutável aos grupos e generalizadas a todos os seus membros (Amâncio, 1994). No entanto, estas características “são mutáveis e não definitivas, são abertas e não fechadas” (Machado F. L., 2002: 32 ), podem ser constantemente reinventadas e reinterpretadas (Herskovits, [1948]1952, citado por Cuche, 1999: 170), e permitem a emergência de culturas sincréticas (Cuche, 1999: 82; Robertson, 1992: 66), mestiças (Wieviorka, 2002: 80), integrando num mesmo sistema elementos tomados de empréstimo doutras culturas (Sapir, 1949, citado por Cuche: 61).

 

A construção da diferença não era neutra, estava associada à desigualdade e à discriminação. Este processamento de diferenciação simbólica manifesta-se na desumanização do outro (Amâncio, 1994), tendo sido “justificada pela Igreja e pelo Estado na base de que as pessoas têm distintas naturezas, e algumas naturezas são melhores que outras” (Young, 2000: 264). Na tradição, explica Iris Young, a lei e as normas sociais definiam os direitos, os privilégios e obrigações de maneira diferente nos diversos grupos que se distinguiam por características de sexo, raça, religião, classe social ou pelo exercício da profissionalidade/ocupação.

 

Young considera que, com a emergência do iluminismo, se anuncia uma nova conceção revolucionária da humanidade e da sociedade: todas as pessoas são iguais, na medida em que todas têm uma capacidade para a razão e para o sentido moral. Os ideais de liberdade e igualdade, defendidos pelo iluminismo, inspiraram e inspiram movimentos contra a opressão e a dominação, cujo êxito permitiu que se criassem valores e instituições sociais que constituem o alicerce das sociedades contemporâneas.

 

Young admite que é necessário insistir na igualdade e na liberdade pelo facto de a diferença entre grupos continuar a existir, não se podendo, por isso, ignorar estas diferenças porque elas têm consequências opressivas em três sentidos: em primeiro lugar, a cegueira frente à diferença põe em situação de desvantagem os grupos cuja experiência cultural e as capacidades socializadas diferem das que têm os grupos privilegiados; em segundo lugar, o ideal de uma humanidade universal sem diferenças de grupos sociais tende a que sejam os grupos dominantes a definir as normas da humanidade em geral; em terceiro lugar, estes grupos que se desviam de um critério, supostamente, neutral tendem a uma desvalorização internalizada por parte dos membros desses mesmos grupos (cf. Young, 2000: 276-278).

 

Os diferentes grupos compartilham algumas similaridades em alguns aspetos e sempre compartilham potencialmente alguns atributos, experiências e objetivos. A alternativa a um significado de diferença, que essencializa e estigmatiza, é uma compreensão da diferença como especificidade e variação. A compreensão relacional da diferença cria uma oportunidade para refletir acerca da identidade e, para se compreender igualmente, a necessidade de construção de novos significados para a identidade de grupo (cf. Young, 2000: 288-290).

 

 

Referencias Bibliográficas

Amâncio, L. (1994). A Construção Social da Diferença. Porto: Edições Afrontamento.

Cuche, D. (1999). A Noção de Cultura nas Ciências Sociais. Lisboa: Fim de Século Edições.

Lévi-strauss, C. ([1952] 2006). Raça e História. Lisboa: Editorial Presença.

Machado, F. L. (2002). Contrastes e Continuidades - Migrações, Etnicidade e Integração dos Guineenses em Portugal. Lisboa: Celta Editora.

Mossé, C. ([1993] 1999). O Cidadão na Grécia Antiga. Lisboa: Edições 70.

Said, E. W. (1997). Orientalismo. Lisboa: Livros Cotovia.

Touraine, A. (1998). Iguais e Diferentes - Podemos Viver Juntos. Lisboa: Instituto Piaget.

Wieviorka, M. ([1992]1995). Racismo e Modernidade. Lisboa: Bertrand Editora.

Young, I. M. (2000). La Justicia y la Política de la Diferencia. Madrid: Ediciones Cátedra.

 

sexta-feira, janeiro 27, 2012

Carta dirigida à Senhora Presidente do Conselho Geral

                            À Presidente do Conselho Geral Transitório
                            do AERF – Dr.ª. Maria Filipa Baganha


Ex.ª Senhora Presidente,

No passado dia 18 de Janeiro, pelas 17.00 horas, na sala da Associação de Pais da escola sede do Agrupamento, fui entrevistado pela Comissão do Conselho Geral responsável pela apreciação das candidaturas ao lugar de Diretor. Nesta entrevista, registaram-se dois acontecimentos que me induziram a escrever-lhe.

1º – Problema – A primeira pergunta que a Senhora Presidente me fez foi: sabe qual é o número de professores e alunos existentes no Agrupamento?

Esclarecimento – Esta pergunta tende a beneficiar um dos candidatos ao cargo de Diretor, a candidata Maria José Ascensão. O exercício do cargo de Presidente da C.A.P. do AERF permite-lhe ter acesso a informação privilegiada. Não é possível conhecer o que não é do domínio público. Até à data da entrevista não estava publicada no site ou em qualquer outro local da sede do Agrupamento a informação que me foi solicitada. Como dar uma resposta clara, precisa e concisa a uma pergunta para a qual não existe informação disponível?

Aconselho – Esta questão (e outras semelhantes, no caso de existirem) deverá, pelas razões supramencionadas, ser retirada da grelha de avaliação dos candidatos a Diretor do AERF pelas razões expressas.

2º – Problema – Já no final da minha entrevista, uma das representantes no Conselho Geral da Comunidade Local/Museu Nacional Soares dos Reis, a Senhora Maria João Vasconcelos, teceu a seguinte consideração: … o que disse acerca do orçamento não é assim!

Esclarecimento – As considerações e/ou propostas que fiz acerca do orçamento privativo do AERF, nomeadamente no que se refere à terminologia e/ou à utilização dos recursos públicos financeiros contemplados no orçamento privativo do AERF, assim como a classificação económica das despesas públicas que utilizei na minha argumentação, como foi o caso das Despesas de capital e Despesas correntes (aquisições de serviço que contemplam, entre outros, os consumos de secretaria) provêm do que está plasmado no Decreto-lei nº 26/2002 de 14 de Fevereiro, assim como de numerosíssimas circulares e ofícios-circulares que o Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Educação remete para as Escolas/Agrupamento de Escolas relativas às Despesas de Capital e Despesas Correntes (classificações económicas 06.02.03.C0.00.00 e 11.02.00.00.00). As alterações orçamentais entre vários blocos de despesas são da competência do próprio Agrupamento, como referem numerosíssimos documentos oficiais.

Aconselho – Os membros do Conselho Geral não são obrigados a dominar e/ou conhecer em pormenor as terminologias usadas nos orçamentos privativos e as classificações económicas das despesas públicas. É-lhes exigido, no entanto, alguma cautela nas afirmações que fazem para não prejudicar, ainda que involuntariamente, os entrevistados. A leitura do no Decreto-lei nº 26/2002 de 14 de Fevereiro, bem como muito contribuirá para o esclarecimento desta questão.

Ex.ª Senhora Presidente do Conselho Geral Provisório do AERF

Solicito, p.f., que seja dado conhecimento desta minha carta à Comissão do Conselho Geral responsável pela apreciação das candidaturas ao lugar de Diretor, bem como ao próprio Conselho Geral.

Porto, 19 de Janeiro de 2012


                                                           O Candidato a Diretor do AERF
                  
                                                                          Carlos Jorge dos Santos Sousa

Candidatura a Director do AERF - Projeto de Intervenção

segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Perguntas e respostas acerca da educação inclusiva e dos normativos legais: o reino do faz de conta?!

O que é a educação inclusiva? É a integração das crianças aleijadas, incapacitadas, inválidas, na turma normal?

Não, não é! Vejamos, em primeiro lugar, a diferença que existe entre educação inclusiva e a integração. O conceito de integração está de uma forma geral associado à necessidade de retirar as crianças e jovens com deficiências das instituições de ensino especial permitindo-lhes a adaptação a um novo espaço e a possibilidade de novos relacionamentos, de convívio, socialização e aprendizagem. As práticas pedagógicas são, igualmente, transportadas para a escola regular. O programa educativo individual é desenhado pelo professor de educação especial de acordo com as características do aluno. A educação apropriada, os serviços adequados e, respectiva, modalidades de atendimento caracterizam a educação integradora. Temos, pois, uma integração que se caracteriza por uma participação tutelada numa escola com valores próprios à qual o aluno terá de se adaptar.
A educação inclusiva (EI) remete para um outro paradigma educativo: todos os alunos com ou sem deficiência passam a interagir num mesmo contexto educativo, em consonância com os interesses, as características e necessidades de um ensino e aprendizagem cooperativas. A integração/educação
especial
assenta numa perspectiva centrada no aluno; a educação escolar/educação inclusiva assenta numa perspectiva centrada no currículo.


Os termos usados na pergunta (crianças aleijadas, incapacitadas, inválidas, turma normal) foram utilizados até aos anos 80. A partir de 1981, começa-se, por influência do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, a escrever e a falar utilizando a expressão pessoa deficiência. Quanto à turma normal ela deve ser substituída por classe/turma comum ou classe/turma regular.

Não lhe parece que o uso das palavras é uma mera questão de semântica? Não será mais importante saber se existe em Portugal legislação que garanta um ensino e aprendizagem cooperativo, como refere?

Não é uma mera questão semântica ou sem interesse. É importante que os principais agentes educativos, como é o caso dos educadores e professores, falem e escrevam evitando os preconceitos, os estigmas e estereótipos que sempre caracterizaram a nossa relação com as pessoas diferentes. Deveremos desencorajar as práticas discriminatórias ancoradas em conceitos obsoletos, em ideias equivocas e em informações inexactas que inconscientemente reforçam e perpetuam a exclusão e não cooperam no sentido da necessária mudança de paradigma: da integração para a inclusão.  

Sim, garante! Em Portugal a legislação garante uma educação inclusiva. O Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de Janeiro, entre outros, vem activar os necessários apoios especializados às crianças e jovens com necessidades educativas especiais.

Poderemos, então, afirmar que todas as crianças e jovens com necessidades educativas especiais
(NEE) encontram equidade educativa na escola democrática e inclusiva existente no sistema de ensino português?


Não, tal afirmação não corresponde à realidade! De facto os nossos principais problemas não estão relacionados com a (abundante) produção legislativa, mas sim, com as contradições existentes entre a letra da legislação, os recursos e as práticas seguidas nas escolas e agrupamentos de escolas.  ideologia da inclusão está presente nos discursos, nos programas, nos projectos políticos e no imaginário e não nas possibilidades concretas e quotidianas da nossa vida escolar.

Possuímos legislação adequada, escolas de referência, instalações modernas e bem equipadas
e, mesmo assim, não proporcionamos aos (nossos) alunos, nomeadamente aos alunos com NNE, um ensino inclusivo?


Não, muitas das escolas e agrupamentos de escolas não asseguram um ensino que garanta a permanência, os princípios da justiça e da solidariedade social, da não discriminação e do combate à exclusão social, da igualdade de oportunidades no acesso e sucesso educativo, como refere o artigo 2º do DL n.º 3/2008 de 7 de Janeiro.

De facto muitas das (nossas) escolas e agrupamento de escolas possuem instalações modernas e estão bem equipadas. Mas falta, em muitos casos, os recursos humanos qualificados, (in)formados e, consequentemente, com competências para  dar respostas às necessidades dos alunos com NNE. As escolas e agrupamento de escolas não adoptam modelos inclusivos. Muitas continuam a funcionar com base num paradigma educativo centrado na integração.

Como poderemos transpor os obstáculos que entravam o desenvolvimento de uma educação inclusiva?

Não existem respostas simples e prontas a usar! Poderemos, no entanto, tecer algumas considerações que poderão contribuir para desatar alguns dos nós desta problemática. Os recursos humanos, já referenciados, são fundamentais: formação inicial e contínua dos educadores e dos professores é, em geral, a resposta clássica para esta e outras questões educativas. Mas existem outras.

Que outras?

Em primeiro lugar o respeito pelos normativos existentes. É fundamental que as turmas que tenham alunos com NEE não tenham mais de 20 alunos, como está embelecido no despacho 14 026/2007; que os serviços apoio de educação especial assegurem atempadamente e eficazmente os apoios necessários; que a gestão da sala de aula seja feita tendo em consideração que todos os alunos
são diferentes
e não apenas o aluno com NEE; que a gestão e administração escolar criem condições efectivas de apoio e dinamização de procedimentos facilitadoras da igualdade de oportunidades no acesso e sucesso educativo de todos os alunos de forma a contribuir para uma cultura que sedimente valores e práticas que se aproximam da educação inclusiva o que pressupõe (in)formação; definição de procedimentos no Projecto Educativo, nos planos anuais e plurianuais de actividades e nas metas e estratégias de aprendizagem.


Justifica-se que os alunos com NEE sejam apoiados, nalgumas disciplina, fora do contexto da sala de aula/turma em que estão integrados?

Não, não se justifica! A elaboração de um programa educativo individual, elaborado pelo director de turma, docente de educação especial e o encarregado de educação deverá contemplar as adequações curriculares necessárias. Estas adequações curriculares, que não ponham em causa as competências
essências e terminais da disciplina (conforme ponto nº 1 do artigo 18º do DL n.º 3/2008 de 7 de Janeiro), são leccionadas, sempre (!), em contexto de sala de aula/turma conforme a lei referenciada.


A educação inclusiva é da responsabilidade da escola e, pelos vistos, a escola não responde de forma satisfatória. Estamos numa encruzilhada?

Não, a educação inclusiva não é somente da responsabilidade da escola! É uma responsabilidade da sociedade, de todos nós. A sociedade terá de se adaptar, cada um de nós terá de cooperar, ninguém poderá ficar fora!


domingo, fevereiro 13, 2011



Perguntas e respostas acerca da ADD
(Avaliação de Desempenho Docente)

Quando há lugar à observação de aulas?



De acordo com Decreto Regulamentar 2/2010, artigo 9º, ponto 1, A observação de aulas é facultativa, só tendo lugar a requerimento dos interessados.
Mas é, igualmente, obrigatória (de acordo com o ponto 2) para:
a) Obtenção das menções qualitativas de Muito bom e Excelente;
b) Progressão ao 3.º e 5.º escalão da carreira, nos termos estabelecidos no n.º 3 do artigo 37.º do ECD.
3 — A observação abrange, pelo menos, duas aulas leccionadas pelo avaliado em cada ano lectivo.
4 — Para efeitos do disposto no n.º 2, os procedimentos a adoptar sempre que, por força do exercício de cargos ou funções, não possa haver lugar a observação de aulas, são os estabelecidos por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Administração Pública e da educação.

Os Relatores e Coordenadores para obtenção das menções qualitativas de Muito bom e Excelente necessitam de observação de aulas?

O ponto 4 do artigo 9º refere os procedimentos a adoptar sempre que, por força do exercício de cargos ou funções, não possa haver lugar a observação de aulas. Os relatores e coordenadores poderiam ser incluídos neste ponto mas, vejamos o que foi estabelecido pela portaria 926/2010 de 20 de Setembro:
Artigo 1.º
Objecto
1 — A presente portaria estabelece os procedimentos a adoptar sempre que, por força do exercício de cargos ou funções, não possa haver lugar à observação de aulas prevista no artigo 9.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2010, de 23 de Junho.
2 — Para os efeitos do disposto na presente portaria, entende-se por observação de aulas aquela que incide sobre o desempenho docente em contextos de ensino-aprendizagem através de efectiva interacção entre docente e criança ou aluno, incluindo as situações específicas dos professores bibliotecários e dos docentes de intervenção precoce, de apoio educativo, de educação especial e de Formação de adultos.


Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1 — O disposto na presente portaria aplica-se aos docentes em licença sabática, em regime de equiparação a bolseiro a tempo inteiro e aos que se encontram no exercício de cargos ou funções fora do estabelecimento de educação ou de ensino e que, por esse motivo, não desenvolvem Interacção no âmbito do ensino -aprendizagem com crianças ou alunos.

Então a pergunta permanece: Os Relatores e Coordenadores para obtenção das menções qualitativas de Muito bom e Excelente necessitam de observação de aulas?

De acordo com o Decreto Regulamentar 2/2010, artigo 9º, ponto, artigo 9º os Relatores e Coordenadores terão de pedir observação de aulas para obtenção das referidas menções!

Em muitas escolas/A.E. os Relatores e Coordenadores consideraram que o artigo 28 º e 29 º do Decreto Regulamentar 2/2010 permitem a obtenção das menções qualitativas de Muito bom e Excelente sem necessitarem de observação de aulas?

De facto, estes dois artigos conjugados com o artigo 45º do ECD dão-nos a entender que os professores Relatores e Coordenadores não necessitarem de aulas observadas. Mas não nos dizem, de forma clara, precisa e concisa, se aos mesmos é permitida a obtenção das menções qualitativas de Muito bom e Excelente sem a observação de aulas que o artigo 9º determina. A questão que se nos se coloca: são ou não necessárias aulas observadas para os professores que pretendam ir para além do bom? O Ministério da Educação tem de clarificar esta questão e acabar com as dúvidas existentes!

O professor avaliado é obrigado a organizar um dossier individual durante o processo da Avaliação de Desempenho Docente?

Não, não é obrigado! O critério de apresentação ou não de um dossier individual do professor é da inteira responsabilidade do mesmo. O Artigo 17.º ponto 2 do Decreto Regulamentar 2/2010 é muito claro: A auto-avaliação é obrigatória e concretiza-se através da elaboração de um relatório a entregar ao relator em momento anterior ao preenchimento, por este, da proposta de ficha de avaliação global. Se analisarmos o despacho 14420/2101 de 15 de Setembro constatamos que: ponto 2 — O relatório de auto‑avaliação deve ser redigido de forma clara, sucinta e objectiva, não podendo exceder seis páginas A4.

Mas neste Relatório de Auto-avaliação o professor poderá, ainda, anexar documentos relevantes para a apreciação que não constem no seu processo individual?

Sim! Pode anexar documentos que possibilitem mobilizar o mínimo de duas e o máximo de quatro evidências que contribuam, segundo o despacho 14420/2101 de 15 de Setembro, para a sua avaliação de desempenho. Mas o que o professor não pode, em nenhuma circunstância, é exceder a seis pais A4 que o mesmo despacho lhe impõe.


Os Professores que reúnam condições para a aposentação devem ser avaliados?

Não! Todos os docentes que solicitaram a respectiva aposentação não necessitam de ser avaliados, segundo o Artigo 12.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009 de 5 de Janeiro. Mas, devem apresentar um requerimento neste sentido ao presidente do conselho executivo ou director, para serem dispensados da respectiva avaliação.

A avaliação de desempenho docente pressupõe, de acordo com o Decreto Regulamentar 2/2010 e o Decreto-lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, a existência de um quadro de referência externo e interno que dão sustentabilidade à mesma. Como proceder no caso onde este quadro de referências não existe ou não está totalmente assegurado?

É verdade! A nível externo deveremos ter como referências as Metas de Aprendizagem para o Ensino Básico; a nível interno deveremos ter como referencial de avaliação os Objectivos e metas fixados: no Projecto Educativo de Escola; no Plano Plurianual de Actividades; no Projecto Curricular de Escola e, por fim, no Projecto Curricular de Turma. A pergunta é correcta: como proceder nos casos em que estes referenciais não estão assegurados?

Carlos Jorge

quinta-feira, abril 30, 2009

“Conta-me como foi”: o estatuto do aluno.

Era o alvorecer de uma nova década. Eu teria pouco mais de 15 anos, e o alvorecer mais importante das últimas décadas estava ainda na incubadora da história e nas contradições e tensões sociais que, então, se viviam. A escola que frequentava era mista. O edifício era um ícone da tipologia que caracterizava as construções do Estado Novo; a gestão e administração escolar não fugiam ao controle severo da ideologia que sustentava o regime: era o tempo do Estado Novo e do Director Escolar!

A escola: entrávamos na porta principal do edifício e, de imediato, ingressávamos num enorme hall, que demarcava as possibilidades de circulação no seu interior e que, por sua vez, impedia o acesso a dois corredores que permitiam a circulação pelos três pisos existentes: pelo corredor do lado direito estavam autorizadas a circular as raparigas; o do lado esquerdo destinava-se à circulação dos rapazes mas, logo que nele se entrava, deparávamo-nos com um bengaleiro, que era uti­lizado por ambos. O espaço ocupado pelo bengaleiro era um dos três locais onde rapa­zes e raparigas se encontravam; os outros dois, eram o bar e a cantina. Cruzávamo-nos esporadicamente nalguns corredores.

Vestíamos calças com boca-de-sino, camisolas de gola alta e camisas muito justas ao corpo; calçávamos sapatos com saltos e solas que chegavam, nalguns casos, a atingir os 2 cm de altura. Os rapazes usavam os cabelos muito compridos e as raparigas curtíssi­mas minisaias e shorts. Em algumas escolas, os Directores mandavam/obri­ga­vam os jovens guedelhudos a cortar o cabelo; as raparigas a cobrirem, com as batas brancas, que, no caso da minha escola, eram de uso obrigatório, as pernas desnudadas.

Recordo os tempos em que uma professora de contabilidade mandava as raparigas à casa de banho lavar a cara pelo facto de terem aplicado um pouco de rímel nos olhos, base na cara ou batom nos lábios. Recordo que a mesma professora chamava algumas das suas alunas, mandava-as subir para um estrado e voltar-se para as colegas, para, em seguida, as questionar e criticar por as ter visto de mão dada com um rapaz, em muitos casos, também aluno da escola, nas proximidades da entrada principal ou perto da escola. Não esqueço aquele momento em que eu, o Zé e o Zambujal (alcunha porque era tratado por ser dessa localidade) acordámos encarar a nossa professora de contabilidade, entre outras razões, pelo facto, de não consentir que saíssemos no intervalo das suas aulas, que eram, sempre, de dois tempos seguidos, nem autorizar deslocações à casa de banho, fosse por que razão fosse, desde que tivéssemos entrado na aula: o Zambujal foi o primeiro a levantar-se e a pedir autorização para se deslocar à casa de banho, e a resposta não se fez esperar: sabes que não! O Zé, assim que a professora disse que não ao Zambujal, levantou-se e, com firmeza e coragem, que não disfarçavam o receio, pediu autorização para ir à casa de banho. Não ouviste o que disse ao teu colega, retorquiu a professora. Foi num ápice que me levantei e com uma terrível e sufocante aflição pedi licença para ir à casa de banho. O estrondo do silêncio absoluto fez-se sentir na sala. Por pouco não fiz ali o que pretendia fazer na casa de banho. Tremia como varas verdes, como jamais havia tremido! Naqueles prolongadíssimos minutos, que pareciam horas, mantive-me de pé. A professora, pelo que sabíamos, jamais tinha sido confrontada: era uma mulher assustadora, antipática, e detestada pelo(a)s aluno(a)s, disse: estão combinados!

Antes da nossa subversiva acção, dialogámos sobre as possíveis consequências do nosso acto mas, mesmo com receio das implicações de tal afronta, decidimos avançar. Era uma época de contestação à tradição, à autoridade, um tempo de questionamento. Passámos a ter intervalo na aula de contabilidade e disciplinarmente nada nos aconteceu. Tivemos sorte!

Esta história que partilho com todos vós, em início do século XXI, pode parecer-vos ridícula. Alguns de vós tão-pouco imaginariam que tal pudesse ter ocorrido, mas, se conversarem com alguma(n)s d(a)os professor(a)es que foram estudantes nas escolas/liceus no início da década setenta do século XX, descobrirão, com ela(e)s, tantas outras estórias semelhantes à narrada ou, noutros casos, muito mais graves, como aqueles em que os jovens eram compulsivamente enviados para a guerra colonial pela simples razão de imaginarem a sociedade em que viviam de forma distinta da do Estado Novo. Nessa época, o ensino e educação estavam compartimentados nas escolas técnicas e nos liceus. As escolas técnicas tinham como objectivo formar quadros intermédios e os liceus os quadros superiores. Acontecia muitas vezes que os jovens fintavam o destino que a escola lhes conferia, tornando-se, os estudantes do ensino técnico, quadros superiores, e os de liceu, quadros intermédios. O destino pode ser sempre fintado desde que a tal estejamos dispostos.

Vivíamos na primavera Marcelista (designação usada para reflectir a onda de esperança, para alguns, suscitada pela política do então Presidente do Conselho Marcelo Caetano, na primeira fase do seu Governo (1968-1970); a ideia de uma escola (para todos) de massas emergia com a reforma proposta pelo então Ministro da Educação Prof. José Veiga Simão e que se consubstanciava em dois importantes documentos: o Projecto do Sistema Escolar e as Linhas Gerais da Reforma do Ensino Superior. A reforma de Veiga Simão tinha como pressuposto fundamental a harmonização das classes, a resolução de conflitos e tensões e, consequentemente, a distribuição de bens simbólicos que substituíssem a escassez dos bens económicos e facilitassem a mobilidade social (cf. Stoer, 1983).

O Estado Novo desenvolveu diversas políticas educativas desde a aprovação da constituição de 1933 (institucionalização da ditadura Salazarista): numa primeira fase, estas políticas, assentavam em diversas trilogias: uma inculcava a ideologia nacionalista, a designada trilogia da educação nacional - Deus, Pátria e Família; outra, que estabelecia a trilogia da autoridade – Pai, patrão e professor; e, por fim, a trilogia do próprio regime político que consagrava o autoritarismo, corporativismo e colonia­lis­mo. A Escola era a sagrada oficina das almas, inculcava a exaltação patriótica, a mitificação dos valores históricos e a supremacia da raça lusitana, a defesa dos valores da civilização cristã, a exaltação da disciplina, da obediência e do cumprimento do dever como condição necessária para o progresso e a defesa da pátria. A Escola prepa­rava para que os educandos tivessem a vontade forte e disciplinada. Numa segunda fase, a educação passou a assumir um papel mais ligado à economia.

O 25 de Abril: o PREC (Período Revolucionário em Curso)

No alvorecer do dia 25 de Abril de 1974, jovens capitães do M.F.A. (Movimento das Forças Armadas), derrubaram a ditadura e as portas que Abril abriu, como escreverá mais tarde o poeta José Carlos Ary dos Santos, permitiram que muitos dos nossos sonhos se realizassem e que outros despontassem como realizáveis, se a arte e o engenho, a vontade, a luta e a determinação tal possibilitassem.

Quando abrimos a porta de uma gaiola, que tem no seu interior um pássaro encarcerado, apercebemo-nos, de imediato, de que ele voa livremente mas de forma desordenada, buscando uma direcção para o seu livre esvoaçar. Foi o que aconteceu com o povo português nos tempos que se seguiram ao 25 de Abril. Procurámos, ainda hoje o fazemos, caminhos da liberdade que nos permitissem a melhoria quotidiana da nossa qualidade de vida.

Nesses tempos, discutia-se, ainda se discute, qual o melhor sistema educativo para superar o nosso atraso estrutural. Nestas discussões confrontavam-se – hoje ainda assim é – concepções ideológicas divergentes.

Os sistemas educativos não são estanques nem evoluem de forma repentina, isto é, não é possível fazer tábua rasa, ou seja, raspar tudo, não deixar traço de nada, e começar um novo sistema educativo ignorando tudo o que lhe antecedeu. Não é possível! Por isso, quando falo acerca dos sistemas educativos não faço mais do que apresentar, em síntese, as grandes linhas políticas/ideológicas/educativas/pedagógicas/etc., que caracterizam cada uma das suas concepções paradigmáticas. A dinâmica de evolução dos sistemas educativos (cf. Carneiro, 1994) pode, de forma simplificada, ser agrupada em quatro grandes grupos/força motriz: a educação orientada para a produção; a educação orientada para o consumo; a educação orientada para o cliente e, por fim, a educação orientada para a inovação.

A educação orientada para a produção especializava-se na formação de capital humano cuja característica principal era conceber o sistema educativo como uma fábrica de ensino que se assemelhava a uma linha de montagem. O Ministério da Educação detém o monopólio da formação: regula, fiscaliza, e certifica;
Na educação orientada para o consumo, a escola emerge como local onde se prepara para a vida adulta, como utopia organizacional, que satisfaz universalmente as aspirações sociais com base na gratuitidade do sistema público de educação. A escola é encarada como uma grande superfície, onde os seus consumidores vão procurar saciar as suas necessidades em matéria de educação. A escola democratiza-se e com ela surge a ilusão da democracia social;
A educação orientada para o cliente privilegia os seus vários clientes, inseridos na comunidade escolar, e o sistema tende a perder as suas funções centralizadoras, as negociações admitem itinerários individuais de formação; admite-se o cheque-educação, e tudo se joga no mercado livre da oferta e da procura. Small is beautiful.
Na educação orientada para a inovação, valem as alianças e as sinergias, sozinho nada se consegue; o trabalho de grupo e de projecto potencia e maximiza o contributo dos seus membros e configura novas tipologias organizacionais; não tolera hierarquias permanentes que se sustentam numa autoridade imposta; prima pela constante adaptação e pela interacção humana, é menos normativo, combate a exclusão e participa na edificação de uma cidadania social.

A tendência actual do sistema educativo português organiza-se, em grande medida, em torno de uma concepção de educação orientada para a inovação. O nosso sistema educativo é, no entanto, um produto híbrido que se tem vindo a construir com base nas diversas experiências educativas, tensões e conflitos que têm norteado as políticas educativas desde o 25 de Abril.

O passado e o presente em direcção ao futuro

Voltando à minha escola e à narrativa que acerca dela episodicamente construí, facilmente nos apercebemos dos dilemas, tensões e conflitos que eu e os jovens da minha geração vivemos. Não existiam telemóveis, computadores, ifones, ipods e internet, redes sociais, como é o caso do hi5, MySpace, Twitter, Facebook e tantas outras coisas que nos permitem imaginar que habitamos o mesmo sistema solar mas em planetas diferentes. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a Convenção sobre os Direitos da Criança, existiam há muito, mas não eram aplicados nem respeitados pelo Estado Novo. Os valores e os princípios fundamentais inscritos na Constituição da República Portuguesa consagram todos os Direitos, Declarações e Convenções internacionais, relativos à defesa dos direitos humanos. Vivemos em democracia! E em democracia procuraremos as respostas para os nossos problemas. A escola actual – do Portugal democrático – enferma de muitos vícios/males, mas não se pode arrogar o direito de ser a sagrada oficina das almas, de exaltar à disciplina e à obediência como condição necessária para o cumprimento do dever e como condição necessária para o progresso e defesa da pátria. A Escola não pode pro(im)por um menu único ou um ilusório fato à medida.

É neste contexto que se torna importante o regulamento interno das escolas e o estatuto do aluno, pelo facto de estes consagrarem um conjunto de deveres e direitos que tornam exequível o acto educativo, porque facilitam as nossas interacções pessoais e, consequentemente, o respeito mútuo. O estatuto do aluno deve ser concebido com uma preocupação central: ser facilitador do acto educativo. Deve, por isso, construir pontes de entendimento entre os diversos intervenientes (professores, alunos, funcionário de acção educativa, pais/encarregados de educação, entre outros) capazes de, em contextos de aprendizagem inovadores, proporcionarem o desenvolvimento de uma formação de excelência às futuras gerações. No actual momento, estão garantidos o acesso e sucesso educativo (mesmo sendo, este último, em muitos casos, administrativo). Devem, por isso, ser regulados em estatuto próprio (regulamento interno e estatuto do aluno), entre outros, os usos que fazemos das novas tecnologias da informação sempre que consideremos que o seu uso (individual) é inadequado e prejudicial ao interesse geral, isto é, a utilização dos meios informáticos são instrumentos fundamentais de aprendizagem, não devendo o seu mau uso ser inibidor dessas mesmas aprendizagens. Alguns exemplos: proibição de uso de telemóvel, ipods e outros aparelhos afins fora dos locais previamente destinados (ex: sala de professores, de directores de turma e PBX, sala dos estudantes, sala dos funcionários). Fora das aulas (admito a utilização nas aulas dos telefones, ipods e outros meios informáticos sempre que um professor o considere vantajoso, para a leccionação de um dos seus conteúdos programáticos), e nos locais supra referenciados deverá ser permitido o seu uso (ex: biblioteca e pátios), somente com auriculares e (unicamente) nos locais previamente assinalados (poder-se-á utilizar dísticos indicativos dos locais onde podem ser utilizados).

A (nossa) qualidade de vida melhora sempre que se conseguem avanços na ciência; em cada um dos momentos em que conseguimos, com a ajuda dos outros, ultrapassar os obstáculos com que nos deparamos no quotidiano das nossas vidas pessoais, profissionais e académica; quando somos capazes de regular, em nome do interesse geral, o direito individual de uso de bens materiais que a ciência nos disponibiliza ou, por motivos das nossas opções de vida, a eles aderimos (ex: fumar).

Com este texto não tenho a pretensão de propor a edificação de um mundo perfeito e/ou a construção de um homem novo. A escola deve educar os indivíduos no sentido de que sejam estes a fazer as suas opções de vida de forma responsável; não pode substituir-se às responsabilidades que cabem às famílias, pais/encarregados de educação. A educação escolar não acompanha nem reproduz a educação que cada família considera a mais adequada para os seus filhos. Ela é complementar da educação familiar, por vezes, antagónica e, em alguns casos, a única que lhes é proporcionada! A educação escolar, por tudo o que fica dito, tem de fornecer instrumentos capazes de preparem as futuras gerações o melhor possível. A educação escolar tem de ser excelente! Não é fácil, sabemo-lo, mas é possível: sim, nós conseguiremos!


Carneiro, R. (1994). A Dinâmica de Evolução dos Sistemas Educativos in C.E. e Socie­dade, nº 6, pp. 13-59.
Stoer, S. R. (1983). A reforma de Veiga Simão no ensino:projecto de desenvolvimento so­cial ou «disfarce humanista»? Análise Social, vol. XIX (77-78-79), 3.°, 4.° 5.°, 793-822.

Os riscos de má utilização do projecto: problematizando-os



Recebi o nº 1 do Jornal Etc. e foi com grande satisfação que constatei a qualidade/quantidade de informação que nos disponibiliza, assim como a qualidade gráfica do mesmo. Outra coisa não seria de esperar se observarmos que um dos seus promotores é, sem estar a ser excessivo, um dos mais criativos professores que a (nossa) escola pode regozijar-se de ter nos seus quadros. É de muito boa qualidade a maioria dos textos que o compõem! Mas, de entre todos, gostaria de referir-me ao artigo assinado por Maria Helena Padrão.

Este texto está bem escrito; metodologicamente, bem organizado e, sobretudo, problematiza o vocábulo projecto, a que o texto faz alusão, de forma teórica assaz irrepreensível. Não seria, pois, de esperar outra coisa de Maria Helena Padrão. Então, sendo assim, que razões subsistem para me referir a este texto?

Admito, como necessário, ir mais além para compreender a problemática a que o projecto e, sobretudo, o Projecto Educativo (a seguir designado p/PEE) nos remetem.

Considero absolutamente desnecessário repetir uma série de características teóricas que subjazem ao projecto por uma economia de espaço e porque Maria Helena Padrão, como já referi, o faz, e muito bem, no seu texto. Interessa-me, antes, abordar os riscos de má utilização do projecto com o objectivo muito claro de reflectirmos acerca dos que são boas práticas.

Que riscos de má utilização poderemos encontrar na utilização/construção de um p/PEE em muitos dos nossos estabelecimentos de ensino?

Poderemos identificar, senão se tomarem as devidas precauções, cinco riscos (cf. Barroso, J. 1992):
a) Projecto sem projecto - aquele em que o p/PEE não é mais do que o resumo de um plano de actividades, logo, sem problematização preliminar, e sem a consequente defini­ção de objectivos, políticas e estratégias;
b) Projecto por decreto – o que é pró(im)posto pelos serviços centrais do Ministério da Educação e que as escolas perfilham burocraticamente, não se reflectindo, todavia, na (necessária) transformação interna e, por isso, não despontar como um verdadeiro projecto;
c) Projecto mosaico – que tem a pretensão de transformar uma acumulação de projectos sectoriais de grupos/departamentos num projecto global;
d) Projecto ghetto – que se caracteriza pela marginalidade das suas actividades, em relação ao funcionamento global da escola, de circunscrição reduzida e periférica, relativamente ao núcleo duro da organização da escola;
e) Projecto devaneio – um projecto que assenta em intenções vagas que não remetem para qualquer tipo de operacionalização.

Poderemos, pois, encontrar em muitas das nossas escolas p/PEE que se configu­ram/or­ganizam em torno de qualquer um dos modelos discutidos ou, ainda, num compósito de alguns deles. Pelo que fica dito, o p/PEE não pode ser admitido como se de um texto canónico se tratasse, como se ele pudesse reflectir um ideal comum, mas, antes, como um texto com muitas incompletudes que necessitam, por isso, que, com ele, se estabe­leça a neces­sá­ria dialogicidade, no sentido de facilitar a sua permanente actualiza­ção/opera­ciona­li­zação.

Quando num p/PEE se aceita a canonicidade do (seu) texto, estamos a admitir que um(a) qualquer Director(a) Regional de Educação por mera hipótese de trabalho, porque sabemos que estes órgãos são dirigidos por pessoas intelectual e culturalmente incapazes de tal desiderato!) possa obrigar a que se cumpra o que nele está escrito. Na minha segunda hipótese, admito a necessidade de dialogar com o p/PEE, i.e., o texto do p/PEE não é um documento fechado e, por isso, está sujeito a que os órgãos competentes da escola, nomeadamente o Conselho Pedagógico, e somente estes, decidam acerca dele. Neste sentido, sustento que o p/PEE não deve arrogar-se o direito de controlar o universo das acções que se desenvolvem no contexto escolar, não devemos concebê-lo na forma da alienação de cada um em prol do bem de todos, porque isto não só iria contra a liberdade pedagógica responsável, nomeadamente dos professores/grupos/departamentos, como também dos indivíduos enquanto entidades. (cf. B. & Cross, 1992). A história está cheia de (maus) exemplos de obediência cega aos ditames pró(im)postos! É claro que é mais difícil gerir o p/PEE como acto de gestão que convoca os órgãos competentes da escola, nomeadamente o Conselho Pedagógico, para reflectirem sobre as incompletudes do p/PEE e, consequentemente, definirem e decidirem os trajectos organizativos da acção. Mas é de certeza, desta forma, que se negam as peripécias administrativas e burocratizantes que se cumprem de acordo com normas preestabelecidas.

O p/PEE deve ser um meio mobilizador de vontades, [deve] incumbindo-lhe assim procurar, quotidianamente, ganhar novos adeptos. Não sustento, porque já perdi a ingenuidade, há algum tempo, de que toda a comunidade escolar e os diversos interesses que a constituem se revejam no (seu) p/PEE. Admito, por isso, que não se pode margina­li­zar/igno­rar os que nele não se revêem; pelo contrário, defendo que se torna necessário agenciar no sentido de acolher as suas contribuições, integrando-as, sempre que possível.

Em síntese, o p/PEE é um texto aberto cuja potencialidade reside na sua capacidade de combinar a atracção pelo futuro e a acção no presente. A primeira convoca-nos para a definição de futuros possíveis, enquanto a segunda nos remete para a necessidade de diag­nosticar/interrogar o presente, de identificar as tensões/constrangimentos, os recursos disponíveis e, consequentemente, definir objectivos e estratégias da acção. Aos órgãos competentes da escola, nomeadamente ao Conselho Pedagógico, e só a estes, cabe a gestão quotidiana do p/PEE. A accountability das escolas melhora, em geral, quando o seu p/PEE é um texto aberto e se decide, em resultado do diálogo, que é o motor da acção, o processo construtor da inovação.




Broch, M., & Cross, F. (1992). O Projecto de Escola Prisioneiro dos Métodos? Os Paradigmas Metedológicos ligados ao Projecto de Escolas in Canário R. (Org. Inovação e Projecto de Escola, pp. 143-163. Lisboa: Ed. Educa.
J., B. ( (1992) ). Fazer da escola um Projecto in Canário, R. (Org.) (1992). Inovação e Projecto Educativo de Escola, pp. 28-56. Lisboa: Ed Educar.

domingo, novembro 11, 2007

Uma pesquisa (Im) Profícua


 

Assim que chego à Biblioteca Nacional (B.N.) entrego no respectivo balcão (algumas) as requisições de leitura com a menção dos documentos que pretendo pesquisar, em seguida dirijo-me ao bar da biblioteca para comer qualquer coisa. Acontece sempre isto nos dias em que venho directamente do Porto para a B.N. para trabalhar. Sempre que saiu do Porto às nove horas da manhã chego á B.N. por volta das 14 horas. Este dia, não foi por isso, diferente dos demais. Tinha chegado de uma aborrecida e longa viagem com inicio na velha e mui nobre cidade do Porto.

Nos restantes dias chego à B.N. por volta das 9,30, 10 horas e inicio de imediato o meu trabalho de pesquisa.


 

Confirmei as cotas dos livros que foram deixados na minha mesa de trabalho, normalmente (sempre!) a I 16.


 

As encadernações estavam muito danificadas. As encadernações continham colecções de jornais do ano de 1870.


 

Tenho um prazer desconcertante na leitura destes jornais. Por vezes, dou por mim a ler coisas que nada tem a ver com o meu objecto de investigação. Tenho que me auto-disciplinar constantemente, porque constantemente me indisciplino. E que boa é esta indisciplina.


 

O resultado da pesquisa, deste dia, mostrava-se muito produtivo. Os volumes que estavam na minha mesa e que já tinham sido pesquisados, tinham algumas marcas de papel que me permitiam localizar muitas das suas páginas que me interessavam para serem fotocopiadas.


 

Estava satisfeito! Um dia de trabalho, que normalmente se prolonga por cinco horas, com resultados muito satisfatórios. Por volta das seis horas da tarde perguntei a uma das funcionárias de apoio à sala se poderia deixar as marcas nos respectivos livros. Informei-a que no dia seguinte estaria novamente na biblioteca. Chegaria por volta das 9,30 horas para reiniciar o meu trabalho. Fique descansado! Os livros à manhã estarão aqui à sua espera com as respectivas marcações, disse-me. Que bom, pensei, poderei aproveitar para continuar a pesquisar os livros que me faltam e amanhã logo que chegue tirarei as fotocópias das páginas marcadas.


 

Sai da biblioteca, depois de certa de cinco horas de trabalho, satisfeito. Dias existem que nada encontro. Já me acontecer estar oito horas na B.N. e nada encontrar de significativamente relevante para o meu objecto de estudo. Este era um bom dia, com excelentes resultados para o meu trabalho de investigação.


 

No dia seguinte chegue cedo à biblioteca. Talvez fosse nove horas, nove e meia. Não sei. Sei que era cedo. Entregue as requisições de leitura, com as mesmas cotas do dia anterior. Qual é o meu espanto, quando verifico que os livros estavam sem as marcas que eu lhes havia deixado. Com era possível? O que aconteceu? Quem retirou as minhas marcas? Cinco horas de trabalho perdidas. Reclamei…

Iniciei tudo de novo.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Gentes…


.........................................Sociedade Oitocentista

Contrastes e Continuidades de FLM

Fernando Luís Machado (FLM) em "Contraste e continuidades – Migração. Etnicidade e Integração dos Guineenses em Portugal" analisa, discute, constrói e desenvolve um conjunto de conceitos que se referem, de uma forma transversal, à problemática da etnicidade, da emigração e integração nas suas vertentes mais globais. Isto é, FLM, nesta sua investigação acerca das comunidades Guineenses em Portugal, discute outras realidades étnicas. Desta forma, FLM converte o seu trabalho de investigação num instrumento imprescindível para todos aqueles que investigam as relações interculturais.


O que discute FLM?


FLM discute/aborda, neste seu trabalho: O conceito de gueto, introduzido por Louis Wieth nos EUA, nos anos 20 do século XX; a redes de sociabilidade que se desenvolvem em torno de interacções fortes ou fracas; o conceito de integração que é discutido em três linhas distintas, como refere: uma que é parte das formulações durkheimianas originais (A Divisão Social do Trabalho e O Suicídio); outra que se constrói em contraposição ao conceito de exclusão; a terceira que é resultante do entendimento particular que do conceito têm as correntes multiculturalistas.


FLM analisa/discute: diferenciação e clivagens internas nas populações minoritárias; direitos étnicos e desigualdades entre sexos; temperamento universalista e temperamento diferenciaslista; negros com origens sociais muito diversas; contrastes socioeconómicos; etnicidade forte; minorias eternamente diferenciadas; mapa global de heterogeneidade étnica; desigualdades sociais; classe social e etnicidade; terceiros mundos interiores; a sociedade aberta e complexa; a pobreza e concentração residencial que coincidem, não significando necessariamente exclusão, assim como a dispersão residencial não significam necessariamente integração; existem graus variáveis de integração e coesão; a religião e a língua como factor de diferenciação; a forma como se inscreve na sociedade portuguesa o lado social da etnicidade; os casamentos católicos e convicções religiosas; as fronteiras entre operários e trabalhadores terciários; a distinção conceptual entre opressão económica e exploração; as classes enquanto categorias sociais; contornos de classe; o social e o cultural na definição da etnicidade; a integração é dependente do lugar de classe; o racismo institucionalizado; a complexidade das formações culturais é reduzida ao folclore; a tolerância enquanto factor de controlo cultural; o racismo e o anti-racismo; que não há racismo, mas racismos; a sociedade receptora e as minorias; as associações de cariz assistencialista; etc., etc., etc.


Com esta sua investigação, FLM dá um contributo imprescindível, para um melhor entendimento da etnicidade das populações minoritárias existentes em Portugal, quer sejam elas migrantes ou não.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Incompletudes

A minha actividade académica não me tem permitido e não contínua a permitir a actualização este meu blogue - Incompletudes. A todos os que me tem visitado e solicitam a minha contribuição para a realização dos seus trabalhos académicos e/ou outros, apresento as minhas desculpas por nem sempre ser tão eficaz quanto desejaria.


 

No meu blogue Lusas Gentes podereis acompanhar a minha actividade académica e, desta forma, conhecer alguns dos episódios que tenho vivido. Procurarei apresentar algumas referências bibliográficas que me interessam e que vos pode igualmente interessar.

Um abraço.

sábado, maio 12, 2007

Projecto de Doutoramento - Especialidade em Relações Interculturais

O que se investiga?

Pretende-se investigar as práticas (re)elaboradas quotidianamente por cada individuo/família/comunidade no sentido de captar as dinâmicas das suas próprias trajectórias pessoais/sociais.

Para construir uma narrativa que reflicta a realidade social e, consequentemente as experiencias pessoais e sociais dos sujeitos e de sua família/comunidade proponho investigar os percursos de vida de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e de António Maia, respectivamente avô, filha e neto. As narrativas de vida de Manuel Botas, de Maria da Conceição Botas e de António Maia permitirão conhecer:

a) as redes de sociabilidade intra(inter)étnicas;

b) as suas trajectórias escolares e profissionais;

c) a diversidade dos seus universos simbólicos;

d) os referentes culturais que circulavam no interior de uma família/comunidade/etnia.


  • Título/Pergunta de Partida
  • "Que tipo de dinâmicas sociais e de estratégias identitárias configuraram as relações inter-étnicas entre a comunidade cigana e a restante sociedade portuguesa desde o final do século XIX até meados do século XX?"


Questões Complementares

I. Dinâmicas Intra-comunitárias

  • Casamento

    O casamento é regulado por práticas comunitárias que assentam numa organização social previsível, coerente e fortemente hierarquizada. Para que o noivado se ultime, existe um conjunto de procedimentos morais assentes em três aspectos nucleares: o pedimento/aceitação; comportamento/honra; honra/vergonha.

    Quais são os factores de eleição e formação de parelha ou cônjuge? Qual a importância da mediação que é exercido pela ajuntaora? Que tipo de legitimação lhe é conferido pelas famílias/comunidades? O género, o corpo, a mulher, a maternidade são categorias discursivas que nos ajudam a interpretar a representação de uma série de ideias sociais construídas em seu torno. Como se manifestam estas representações nesta família/comunidade?

  • (Im)Puro

    A pureza, a virgindade, a desonra, a vergonha, a latcha, o código de honra, o respeito, entre outros conceitos, estão impregnados de valores morais que não persistem sem os juízos que lhe dão significado. A moralidade que se expressa na virgindade emerge como algo verdadeiramente fundamental na família e na comunidade de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia. De facto, o único impedimento feminino para se casar era (é) a sua "honra" que se expressa na virgindade feminina. A união social, que se realiza através do casamento, de acordo com a lei cigana, só (é) era possível com a prova de virgindade feminina, realizada pela ajuntaora. A virgindade feminina manifesta-se como um elo de coesão social na relação entre famílias, e apresenta-se como um valor central na família e comunidade. A impureza emerge de acontecimentos que se opõem às regras estabelecidas pela lei cigana. O impuro torna-se objecto de interdições.

    Na família/comunidade de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia o impuro torna-se objecto de interdições com consequências para o próprio indivíduo, para a sua família e comunidade?

    Como se manifesta este tabu e quem são as principais vítimas /intervenientes?

  • Morte e Luto

    A viuvez transmuta o estatuto social do cônjuge do morto para o resto da sua vida. Com o falecimento de António Maia, a viúva vestiu uma touca branca que usou durante um ano sem nunca a lavar, rapou o cabelo que colocou dentro do caixão do seu marido e nunca mais o deixou crescer. Usou o cabelo rapado, até ao final da sua vida.

    O culto dos mortos é um facto constatado na família/comunidade de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia. A perda física de um ente querido não é acompanhada da sua perda espiritual. A crença na existência continuada da sua alma, (que
    esteja em descanso) é demonstrativa da dependência que continua a existir entre os vivos e os mortos. Está simplesmente de baixo da terra em descanso. Os antepassados continuam a estar presentes na vida dos seus descendentes nas mais diferentes formas.

    A história da morte é parte inegável da história social das mentalidades. Não é, por isso, ahistórica.

    A forma como se lida com a morte varia de cultura para cultura. Não existem padrões universais para compreender o significado da morte e o que ela representa para cada povo, comunidade e família; no entanto, a morte envolve sempre rituais, crenças, afectos, dor, choro, modos de vestir, sistemas fúnebres, entre outros aspectos relevantes, que, de uma forma ou de outra, se manifestam nas diferentes culturas.

    Qual é o significado simbólico e social da morte na família/comunidade de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia? As cerimónias fúnebres proporcionam a possibilidade de configurar consciências e modelos de comportamento a seguir? Que contributo poderá emergir do estudo e compreensão dos rituais fúnebres desta família/comunidade para a edificação dos seus próprios referentes culturais?

  • Jazigo de Família, um Arquivo Histórico

    Com a emergência dos cemitérios, a arquitectura da morte retrata não só as afinidades que os indivíduos têm com a morte mas identicamente a relação com a sociedade de onde os indivíduos provêm. Estes novos espaços servem não só como espaços habitacionais para descanso eterno dos indivíduos como também são utilizados para demonstrar a riqueza, o estatuto económico e social dos indivíduos, das famílias e das respectivas comunidades. São espaços de vivências culturais, de encontro e recordação, mas são também espaços de informação para gerações futuras.

    Poderá o jazigo de família de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia tornar-se num arquivo histórico, num espaço de informação possibilitador de demandas diversas?

  • Relações Inter-étnicas

    As relações/dinâmicas sociais e culturais desenvolvidas entre as comunidades ciganas e a restante sociedade portuguesa tornam claro a existência de crenças históricas e/ou especificidades culturais diferentes que se manifestam na vida quotidiana, em momentos especiais ou em ambas as situações. Estas relações podem ser assimétricas, o acesso aos recursos desigual e resultante do poder de cada comunidade.

    Que oportunidades de acesso aos recursos e que tipo de relações construíram/desenvolveram Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia no interior da sua família/grupo/comunidade e a restante comunidade/sociedade portuguesa?

  • . Homens de respeito, tios entre os tios

    Na família e comunidade de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia existe um grupo geracional que goza do máximo estatuto entre os grupos de idade, são os tios. Este grupo é constituído por pessoas com a máxima autoridade no interior da família e da comunidade; são líderes naturais, mediadores de conflitos, administradores da justiça, da lei.

  • Quem são os líderes naturais? Na família de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia a mediação contribui para a formação dos indivíduos, das famílias, das comunidades? É um veículo de convivência inter(intra)pessoal/grupal? Contribui para a gestão e administração da justiça?


quarta-feira, abril 18, 2007

Comunicação efectuada no 4º encontro.

  • ResumoEsta comunicação centra-se na importância que assume “A Gestão e Administração Escolar em contextos Educativos Interculturais” no combate à discriminação e na construção de políticas institucionais que reconheçam as diferenças existentes na escola. A educação intercultural deve ser entendida como um espaço de aprendizagem, de desenvolvimento de valores, de reflexão que promova transformações sociais e mudanças de modos e maneiras de pensar e actuar dos diferentes intervenientes. A importância dos educadores de infância, dos professores e dos Conselhos Executivos: as suas decisões, os seus comportamentos e atitudes, adquirem uma grande relevância em contextos de educação intercultural. Pretende demonstrar que é através de políticas positivas de integração que se fomentará a incorporação activa de distintas diferenças.
O Espaço Social como partilha de “outros mundos”

O espaço social é apercebido, cada vez mais, como um arco-íris cultural, “nele se manifesta uma estrutura de ocupação étnica relativamente forte com toda uma gama de comércios, mercados, restaurantes, igrejas ou outros locais de culto, clubes, associações, escolas, imprensa, emissoras de rádio, locais de encontro e de reunião.” Estes espaços sociais são autênticos nichos ecológicos. Aqui os organismos (as pessoas) dependem do espaço onde vivem e do que fazem: os comportamentos, as energias transmutadas, o meio físico e biológico transformam-se em consequência das interacções multiétnicas/culturais que se estabelecem/desenvolvem. O (re)conhecimento de “outros mundos” da alteridade não é neste espaço social, nestes nichos ecológicos, referenciados por Maria Engrácia Leandro, obscurecido: “com toda esta rede de serviços desenvolve-se uma importante teia de relações sociais de origem étnica, que tendem a persistir e a afirmar-se no contexto altamente urbanizado em que se inserem”.
[1] Existe aqui um patamar mínimo de convergência entre “nós” e os “outros”, que num processo de assimilação progressiva e comum diluem alteridades, como condição necessária para comunicação entre comunidades distintas, fazendo emergir novas maleabilidades entre fronteiras que possibilitam novos horizontes de interpretação e a construção de intersubjectividades compartilhadas. O entrelaçamento de horizontes de compreensão desenvolve-se num contexto relacional que se define na convergência entre as “nossas” perspectivas e da “deles” (Leandro, s.d.:291).

No espaço social existe um patamar mínimo de convergência entre “nós” e os “outros”, desenvolvem-se relações sociais de tipo étnico, cultural, religioso, etc. E nos contextos educativos que tipos de relações se constroem? Como se relacionam as diferenças religiosas, étnicas, sexuais, culturais e psicofísicas nos contextos educativos?

A educação intercultural

A interculturalidade baseie-se no reconhecimento das diferenças culturais existentes numa sociedade e propõe como critério de articulação institucional precisamente a comunicação entre culturas (cf. Lobera, 2004). É, por isso, necessário romper a barreira entre a forma e o conteúdo dos procedimentos educativos. A incipiente multiculturalidade e a pretendida Interculturalidade fazem com que os professores e membros dos conselhos executivos se questionem cada vez mais acerca das acrescidas responsabilidades que tem adquirido e das respostas que devem dar, tanto ao nível pessoal como profissional, às constantes transmutações sócio-educativas-culturais que a sociedade e escola portuguesa tem desenvolvido nas ultimas décadas.

As mudanças caracterizam-se por fortes contradições e paradoxos, entre: 1) a necessidade de nos relacionarmos num contexto cada vez mais multicultural e heterogéneo frente à pretensão homogeneizadora e incerteza acerca da própria identidade; 2) a eliminação das barreiras espaciais na comunicação frente a um perigo cada vez mais grave de isolamento e exclusão social; 3) a dificuldade para compreender o que sucede frente à grande quantidade de informação disponível; 4) a ausência de certezas absolutas frente ao ressurgimento de formas de intolerância que se pensavam superadas. (cf Agudo, 2003)

León Olivé, refere que o facto de membros de diferentes comunidades epistémicas ou culturas viverem em mundos diferentes, incluso incomensuráveis, não significa que não possam estabelecer processos comunicativos mediante os quais os membros de cada comunidade aprendem a linguagem da outra e compreendam as categorias com que os outros conceptualizam o seu mundo. (1999:151)
[1] Maria Engrácia Leandro (s.d) op. cit. p. 291
(...)
É a necessidade de realizar transformações vertiginosas que exigem inovações educativas de similar envergadura. Os professores são os que reúnem melhores condições para construir respostas aos problemas aqui referenciados. Mas, muitos educadores de infância e professores convertem-se em Pigmaliões modelando os alunos para que estes se acomodem ao currículo pro(im)posto, como se estes fossem esculturas que se moldam conforme as expectativas que os educadores de infância e os professores construíram para adaptar o ensino à diversidade dos alunos da maneira mais eficaz. Por isso, fazer referências às capacidades dos educadores de infância e dos professores sem as enquadrar na sua actividade, como um todo que é a escola, e na sua organização é romantismo insignificante que não coopera, como se deseja, para a necessária e exigível transformação da cultura escolar. Cabe, por isso, aos Conselhos Executivos projectar as suas actividades de forma a:

a) tornar possível a comunicação entre todos os intervenientes no processo educativo;
b) desenvolver procedimentos que permitam uma adequada gestão dos conflitos;
c) contribui para a edificação de valores que permitam a emergência de uma cultura democrática na escola;
d) que as trocas sociais assentem em desempenhos sempre que possível contratualizados;
e) que os empenhamentos se traduzam em manifestações de sentido efectivo, de confiança e cidadania;
f) que a liderança seja competente e transformacional;
g) que da motivação emane desafios, entusiasmo e possibilidade de construção de alternativas;
h) que as estratégias as desenvolver assente na capacidade de negociação;
i) a que percepção de justiça assente no respeito e na equidade;
j) a satisfação, enquanto componente cognitiva e afectiva, responda às necessidades sociais de auto-estima e de realização;
k) que as tácticas de influência/poder assentem na persuasão racional e na capacidade de “conquista” motivacional;
l) que as tomadas de decisões seja racional, assente na auscultação e não sejam fruto de (re)sentimentos pessoais.

Estes pressupostos de comportamento organizacional são facilitadores da emergência de um novo paradigma organizacional focalizado em três níveis de “sentido”: a) o subjectivo (intraindividual); b) o partilhado (interindividual) c) e o objectivo (assente nas convenções de uma dada cultura) (cf. Gomes, 2000: 191).
(...)
Esta concepção paradigmática de gestão e administração escolar, aqui referenciada, poderá contribuir de forma (mais) adequada para:

a) A luta contra a exclusão e consequente adaptação da educação à diversidade dos alunos, garantido a igualdade de oportunidades e a aquisição das competências necessárias para que este se integre activamente num mundo em constate transformação. Reconhecer e aceitar a diversidade é contribuir para o desmoronamento das práticas hegemónicas assentes na homogeneidade.
b) Respeitar o direito à própria identidade fazendo-a compatível com o princípio da igualdade de oportunidades o que implica profundas transformações no sistema escolar;
c) Avançar no respeito dos direitos humanos implica interpretar tanto a necessidade da própria educação intercultural como os seus limites. A educação intercultural não pode ser cega às graves violações dos direitos humanos que por vezes se comentem em nome das tradições culturais.

Em síntese: a cultura é um sistema complexo e em constante movimento. É um constructo humano. É construída pela totalidade das produções humanas, determinam a vida, os estilos de vida dentro de um grupo social. Não depende de um sujeito concreto mas sim da totalidade dos seus membros. É uma criação histórico-social de uma comunidade que tende a preservar, em nome da tradição, a sua identidade cultural;

A identidade é um fenómeno que emerge da dialéctica entre um indivíduo e a sociedade. É, por isso, um produto social. Os rasgos culturais que definem um grupo não são tanto as diferenças objectivas, mas sim aquelas que os autores consideram significativas;

As transformações sociais/económicas/políticas/ambientais vertiginosas exigem inovações educativas de similar envergadura, razão pela qual, uma nova concepção paradigmática de gestão e administração escolar, poderá ser facilitadora de novas demandas educativas.



Dissertar acerca da educação Intercultural

A interculturalidade emerge quando num contexto multicultural se efectuam trocas, se produz convivência, interacção, intercâmbios, reconhecimentos e aceitação dos valores e modos de vida dos outros.

A interculturalidade bem entendida não é: um ideal pedagógico baseado em actividades desconectadas do currículo; não é um conjunto de actividades exclusivamente dirigidas aos grupos minoritários – educação compensatória; não pode ser abordada em exclusivo em determinadas áreas curriculares; não deve ser desenvolvida somente em escolas com grade quantidade de imigrantes.

A educação intercultural é, por isso: actividade transversal que deve estar presente no conjunto do processo educativo; não é um programa paralelo mas algo que se deve integrar na totalidade das actividades escolares.

O direito à diferença é um dos aspectos que sustenta a ideia de interculturalidade. A escola é um espaço de vivência, de encontros entre diversos modelos culturais, local que reúne todas as características para o desenvolvimento de uma sólida competência cultural e convivência que permita a todos os membros de uma sociedade um funcionamento o mais adequadamente possível. Todos os alunos integrados no sistema educativo, estarão igualmente integrados na educação intercultural porque esta é para todos os alunos, independentemente da sua origem ou pertença a um grupo determinado.

Porque a educação intercultural constrói espaços de aprendizagens que remetem para o respeito e tolerância por outras formas de entender a vida, valorizando aspectos de outras culturas. Fomenta o enriquecimento pessoal e cultural com elementos de outros modelos culturais. Desenvolve procedimentos de empatia com outras culturas, não significando isto, total aprovação desses (outros) elementos culturais. Evita expressões estereotipadas acerca dos outros. Potencia o sentido crítico acerca da própria cultura e da dos outros. Identifica-se com a sua própria comunidade cultural sem se submeter acriticamente a ela.

(...)

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

4.º Encontro de Educadores de Infância e Professores do 1.º Ciclo


Manhã
8h30
Recepção aos participantes e entrega de documentação
9h30
Abertura do Encontro
Ministra da Educação (a confirmar)
Vereador da Educação da Câmara Municipal do Porto
Comissão Organizadora
10h00
Conferência de abertura
Acolher e Integrar Através da Escola
Rui Marques – Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas
10h30
Gestão e Administração Escolar em contextos educativos interculturais (Pré-escolar e 1.º Ciclo)
Carlos Jorge – Mestre em Relações Interculturais (Universidade Aberta) e Professor do Ensino Secundário
11h00
Língua Portuguesa – factor de coesão ou de exclusão no contexto escolar?
Ana de Sousa – Membro da APP e Mestre em Multiculturalidade
11h30
O Português para falantes de outras línguas Pré-escolar
Fátima Teixeira – Educadora de Infância do Agrupamento Pedro D´Orey da Cunha 1.º Ciclo
Rute Perdigão e Fátima Cruz – Professoras da Escola EB 1 da Cova da Moura
12h00
Espaço de Diálogo
13h00
Pausa para almoço

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Bibliografia sobre Imigração e Minorias Étnicas em Portugal (2000-2006)


No sentido de promover um melhor conhecimento acerca das publicações e investigações existentes em matéria de imigração e minorias étnicas em Portugal, o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME) em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, promove o lançamento da Bibliografia sobre Imigração e Minorias Étnicas em Portugal (2000-2006) da autoria de Fernando Luís Machado e Ana Raquel Matias.


Esta bibliografia resulta de uma encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito do Fórum Gulbenkian Imigração 2006/07, e inclui trabalhos de diversas disciplinas e investigadores. Sendo o tema da imigração um dos eixos fundamentais das iniciativas que a Fundação promove no âmbito das comemorações do seu cinquentenário, o ACIME tem vindo a ser um dos seus parceiros estratégicos em todas as actividades.
Trata-se de uma bibliografia, que tem como referência empírica a sociedade portuguesa. Inclui trabalhos publicados em Portugal e noutros países, por portugueses e estrangeiros, em papel ou noutros suportes.

Para este período de seis anos e meio, foram recenseados 358 trabalhos, a grande maioria deles resultantes de investigação original.

Os trabalhos científicos identificados filiam-se na sociologia, geografia humana, psicologia social, antropologia, demografia, economia, direito, ciência política, história, ciências da educação, ciências da comunicação e ciências da saúde.

Além da lista geral de todos os títulos encontrados que constitui a primeira parte do documento; na segunda parte apresentam-se resumos de cada título, organizados por secções temáticas.
A classificação temática estabelecida inclui dezasseis domínios:

A. Sistemas e fluxos migratórios
B. Políticas de imigração, regulações jurídicas, cidadania
C. Retratos de populações migrantes e minorias étnicas
D. Dinâmicas espaciais e territoriais
E. Mercado de trabalho e comportamentos económicos
F. Escola, qualificações escolares, educação
G. Coexistência e representações interétnicas, racismo
H. Família e dinâmicas familiares
I. Mulheres e relações de género
J. Descendentes de imigrantes
K. Identidades e práticas culturais
L. Identidades e práticas religiosas
M. Saúde e doença
N. Pobreza e exclusão social
O. Delinquência e criminalidade
P. Mediatização e representações mediáticas

tradutor