quarta-feira, maio 06, 2020

Regresso ao Passado: da peste Bubónica do Porto de 1899 ao Covid 19


Regresso ao Passado: da peste Bubónica[1] do Porto de 1899 ao Covid 19

Expresso/semanario/semanario2479-01-05-20
A irrupção terá começado no dia 4 de junho do ano de 1899, num dos bairros ribeirinhos mais abrangidos pela indigência e privação das mais elementares condições de higiene da cidade do Porto, a rua da Fonte Taurina. O responsável pela saúde do município do Porto, Dr. Ricardo Jorge, tendo conhecimento do que estava a acontecer de imediato se deslocou à dita rua e ali fez inspeção sanitária a alguns prédios, com as já descritas deploráveis condições higiénicas. Encontrou um adulto e dois menores em estado febril e com perturbações gastrointestinais. Soube da existência de mais sete casos, sendo quatro fatais. As primeiras vítimas foram, uns galegos carrejões[2] de bordo, moradores na rua da Fonte Taurina, numa velha cangosta[3]. São os indivíduos que vivem em piores condições sanitárias os primeiros atingidos pela peste. São estes, os que vivem nas piores condições sociais que pagam o maior tributo a este flagelo.
Expresso/semanario/semanario2479-01-05-20

        Carlos Alberto da Cunha Coelho, numa dissertação inaugural apresentada na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, no ano de 1900, expõe da seguinte forma alguns dos casos de peste atestados no Porto no ano de 1899[4]:

Um homem de 44 anos de idade, casado, trolha, natural do lugar de S. Roque da Lameira, na freguesia de Campanhã, conselho do Porto, e residente na travessa da Póvoa n.º 79, da freguesia do Bonfim, Porto. Recolheu ao hospital do Senhor do Bonfim no dia 25 de outubro, às 10 horas da noite. Teve alta em 15 de novembro de 1899, tendo estado doente durante 24 dias.

Um jovem de 14 anos de idade, solteiro, aprendiz de ourives, natural do Bonfim, Porto, e morador na rua do Loureiro n.º 56, da freguesia da Sé. Entrou para o hospital do Senhor do Bonfim em 26 de outubro. Em 16 de novembro, o doente fora considerado curado. Outra jovem infetada da mesma idade, solteira, criada, residente na rua da Carcereira n.º 25, Carvalhido, Porto, e natural de Luanda faleceu em 14 de novembro de 1899.
Expresso/semanario/semanario2479-01-05-20

 Um homem de nacionalidade espanhola, de 47 anos de idade, carrejão de bordo e de armazéns do porto e morador na rua da Fonte Taurina n.º 88. ausentou-se para ir à latrina, e como se demorasse, os companheiros foram dar com ele já morto. Outro homem de 33 anos, igualmente espanhol, também carrejão, morador nas Escadas das Verdades, ilha do Trinta, adoeceu no dia seguinte ao funeral de um indivíduo, de quem era amigo e companheiro. Esteve no hospital de Santo António onze dias. Nos dias anteriores à sua morte carregou bacalhau para a casa Araújo. Outro espanhol morador na Fonte Taurina n.º 88 de 57 anos, locandeiro[5], foi, igualmente, contagiado. O restabelecimento foi moroso. O contágio deixou-o muito debilitado e incapaz para o trabalho.

Uma mulher portuguesa de 26 anos, casada, moradora na rua Fonte Taurina n.º 84, grávida de alguns meses, abortou e dois dias depois faleceu. Na véspera do seu falecimento, um outro filho, de 6 meses, pereceu. Era uma criança débil e mal alimentada.

Um homem de nome Ham, Anamita[6], foi atacado de peste na noite de 18 para 19 de agosto. Morre subitamente às 6 horas, apesar do tratamento.

Uma mulher, casada, com 21 anos de idade, foi atacada de peste no mesmo dia que seu marido, a 9 de julho. Foi examinada, tratada e recuperada.

O perigo espreitava e a única medicação existente na altura era o soro Yersin, produzido pelo Instituto Pasteur de Paris. Duzentos tubos deste medicamento foram logo encomendados[7].
Expresso/semanario/semanario2479-01-05-20

As medidas sanitárias
A primeira notícia sobre a peste bubónica foi publicada no dia sete de julho pelo jornal O Comércio do Porto: relata, entre outras coisas, que o Sr. Dr. Ricardo Jorge efetuou uma visita sanitária a alguns prédios da rua Fonte Taurina e que mandou desinfetar os prédios e deu instruções à direção clínica do Hospital Geral de Santo António para ser facilitada a entrada dos enfermos no mesmo hospital [8].

É em nome e na defesa do reino que são decretadas as necessárias medidas de isolamento contra a peste, declararam as autoridades. O decreto aplicava medidas de limitação de circulação de pessoas e mercadorias a partir do Porto. Os viajantes que desejassem sair da cidade de comboio estavam obrigados a fazer uma inspeção médica à partida e no destino. Teriam, igualmente, de viajar com uma guia sanitária. As bagagens eram desinfetadas e as mercadorias só poderiam sair pelo mar quando desinfetadas[9].

O êxito destas medidas de isolamento, determinadas contra a peste, estava dependente da adesão ou não da população da cidade do Porto e, sobretudo, da capacidade das autoridades e das condições existentes nos serviços sanitárias. Motivo, pelo qual, os jornais foram considerados pelas autoridades sanitárias um meio privilegiado de divulgar informação[10].  Mas, a resistência emergiu e a ação dos médicos e do restante pessoal de saúde foi dificultada. O desconhecimento, a ignorância e má vontade das gentes do Porto complicaram, ainda mais, a já problemática situação em que se vivia. A relação entre corpo e a doença, neste caso a peste, originou a emergência de representações sociais sobre aqueles que se encontravam enfermos que tornou difícil falar de uma sem mencionar a outra. Rejeitando a existência de doentes com peste, nuns casos; não os transportando ao hospital, noutros; ou obstaculizando as necessárias medidas de desinfeção, as autoridades, para darem resposta ao surto epidémico, acabaram por impor o “cerco à cidade do Porto”:

 “Enquanto durar a epidemia da peste bubónica na cidade do Porto, será interrompida a liberdade incondicional das suas relações com o resto do reino por meio de um cordão sanitário, disposto pelo modo mais ajustado à defesa sanitária contra a mesma epidemia, e com os postos neutros necessários para o abastecimento daquela cidade”[11].

As medidas sanitárias debaixo de crítica 

O Comércio do Porto manifestou-se contra a cerca sanitária. O Diário de Notícias citou artigos de médicos publicados em revistas científicas para considerar o cerco como algo injustificado e em desuso. Fez referência a um artigo do Sr. Dr. Miguel Bombarda[12], publicado na Medicina Contemporânea, para concluir que ‘os cordões sanitários não são já do nosso tempo”[13].

Miguel Bombarda, citado, igualmente, pelo diário O Comércio do Porto, expõe:
“Fundada e apoiada nas mais ponderosas autoridades estrangeiras, nas resoluções dos congressos de Veneza, Dresden, Roma e Viena, seguidas e acatadas por todas as nações, ficou assente não só a ineficiência dos cordões sanitários e consequentes lazaretos, mas o perigo deles, a sua influência nefasta na disseminação das epidemias”[14].

Sampaio Bruno[15], no Voz Pública, escrevia que as quarentenas eram “inúteis” e
“O Porto teve a peste, a fome e a guerra quando do cerco homérico que experimentou; e a geração altaneira desse tempo não tremia diante de micróbios, como não tremia debaixo da metralha. Se há coisa hedionda agora, não é a peste infeta: é o medo infeto da peste”. E acrescentava: “Estas ideias de isolamento são a calamidade mais espantosa. […] Isolar o Porto, dadas as relações económicas que o prendem particularmente às províncias do Norte, implica decretar a miséria”[16].


Expresso/semanario/semanario2479-01-05-20
Os protestos fizeram-se ouvir. Nos cafés, nas tabernas, nas leitarias, nas ruas a quarentena era motivo de conversas e de apaixonadas discussões. A agitação provocada pelas medidas governamentais fez circular muitas conversas e ideias que se centravam no medo e em intenso desassossego. No Porto, por essa altura, existia muita gente, alguns médicos, médicos de prestígio e autoridade, que não acreditavam na pretensa peste. Não somente esses médicos se converteram/tornaram “especialistas” em peste bubónica. Todos falavam sobre o surto e, como “não é boa a fala que ninguém compreende”, todos falavam como “especialista[s]”[17].

Os críticos do isolamento tiveram na imprensa do Porto a “caixa-de-ressonância” das suas opiniões, é um facto. Mas, a ação da imprensa estendeu-se muito para além das opiniões de alguns críticos, associando-se aos esforços humanitários das elites portuenses desassossegadas com as condições de higiene dos pobres. Reclamavam habitações saudáveis e económicas para os pobres. Nas ilhas do Porto os operários e os trabalhadores eventuais viviam sem o mínimo de condições de higiene, dormiam nos mesmos colchões de palha, em quartos compartilhados, sem água corrente ou saneamento básico. As ruas do centro histórico onde irrompeu a peste conservavam o seu perfil medieval, com os dejetos despejados a céu aberto e ruas sem saneamento. Estes esforços humanitários das elites portuenses desassossegadas assentavam numa pretensão mais vasta: edificar uma linha vermelha que não poderia ser transposta em nome da preservação sanitária[18]. Esta linha vermelha teria de passar pela melhoria das condições de vida das pessoas pobres. Mas, esta ação de beneficência não surtiu os almejados efeitos e as gentes mais desfavorecidas do Porto não beneficiaram de “habitações saudáveis e económicas”. Pobres continuaram. As estatísticas de higiene do ano de 1950, relativas às comodidades domésticas e das condições sanitárias das casas em Portugal, eram, ainda, consideradas “calamitosas”[19].

A noção de saúde reflete e diversifica-se de acordo com os contextos sociais, as condições sanitárias que neles se viviam, as situações económicas, políticas e culturais. Isto é, a saúde não é compreendida da mesma maneira por todas as sociedades, comunidades, culturas e pessoas. O entendimento que dela existe depende da época, do lugar e da classe social. Provém, ainda, de valores e opções individuais, de perceções científicas, religiosas, filosóficas. O mesmo, aliás, poderá ser dito em relação às doenças. O que é visto como doença resulta de uma enorme pluralidade de conceções. Períodos da história existiram em que a fuga dos escravos era considerada enfermidade mental: a drapetomania[20]. A terapia proposta para as pessoas que “sofriam deste mal” era o açoite. Ora, quem sofria deste mal, a drapetomania ou desejo de fugir, eram as pessoas negras escravizadas. A conceção de doença deve, por isso, ser compreendida dentro do paradigma sociocultural em que se manifesta.

Mas, os obstáculos e as dificuldades de aceitação do surto epidémico por parte da imprensa e da população em geral não coibiram a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Porto de decidir, unanimemente, classificar o surto epidémico de peste bubónica.

Relata o jornal, A Tarde, que perante as manifestas desconfianças, o Sr. Dr. Câmara Pestana mandou consultar o Instituto Pasteur de Paris sobre a natureza da bactéria que motivara os casos do Porto. Em resposta a esta solicitação, o Instituto Pasteur, em resposta à dita solicitação, informara que se tratava da peste bubónica. Mesmo assim, alguns médicos resistiram a aceitar esse diagnóstico e existia, entre a população, como ficou comprovado, alguma repugnância em reconhecer o diagnóstico da peste bubónica.

Mas não eram, unicamente, esses os obstáculos e as dificuldades de aceitação do surto epidémico e das medidas de isolamento adotadas pelas autoridades contra a peste, por parte da imprensa e da população em geral. Outro dos obstáculos centrava-se na situação politica em que se deparava o reino. A malograda tentativa de implantar a República no Porto, em 1891[21], entre outros fatores políticos, contribuíam para a fragilidade das decisões tomadas contra a já referida peste bubónica. Embora o ataque a que foi sujeito tenha sido violento, Ricardo Jorge permaneceu no combate à peste, durante os meses em que a epidemia se propagou evitando que a mesma ultrapassasse, de forma substantiva, a malha urbana da cidade e se registassem não mais de que três centenas de casos[22].

Num cenário político intranquilo e em constante mutação o Presidente da Câm ara do Porto anunciou a sua demissão, em protesto contra o cordão sanitário, e contra a ingerência do governo central de Lisboa nos negócios da cidade. Embora com o apoio de muitos dos médicos da cidade do Porto, o Dr. Ricardo Jorge acabou, também, por solicitar a exoneração do exercício das suas funções e pedir a sua transferência para Lisboa[23].

Os “opinion makers” e “opinion leaders” que, então, tinham influência sobre a opinião pública do reino assinalaram o seu lugar na história. Estiveram nas lutas que marcaram a “erosão na confiança entre cidadãos e do lado oposto à solidariedade como pilar das decisões”. Com as suas ações, o Dr. Ricardo Jorge não só minimizou os riscos da pandemia, mas sobretudo, agiu no seu tempo, como um homem que pensou fora da caixa.

Sem âncora no mar revolto e sem as amarras do tempo, aproveitou a sua estadia em Lisboa para entrar numa janela do tempo e reconstituir os Serviços de Saúde Pública e o Regulamento Geral dos Serviços de Saúde. No seu tempo, Ricardo Jorge atuou como um genuíno “agente transmissor” da mudança.

            Descrever, ainda que resumidamente, o percurso de vida profissional de Ricardo de Almeida Jorge (1858-1939) não é tarefa fácil. Foi um indivíduo multifacetado: médico, homem de ciência e de cultura, higienista, ensaísta, crítico de arte, historiador da medicina, político, entre outras atividades, que permanecendo, ainda hoje, uma referência não apenas no universo médico e científico, mas também noutras áreas do saber em que participou e se distinguiu.

O surto epidémico do Porto de 1899 revelou-se um campo de estudo importantíssimo, contribuindo para o advento dos mais modernos métodos científicos da época. Comprovou, também, a competência profissional dos médicos portugueses, entre eles, o Dr. Ricardo Jorge, que foram  internacionalmente reconhecidos pela sua ação no combate à epidemia e elogiados em relatórios científicos publicados designadamente pelos médicos espanhóis e franceses[24].

A peste negra ceifou muitas vidas e arruinou as economias e foi o ventre que ajudou a expulsar do seu útero o renascimento; não tendo atingido as dimensões de outras epidemias,  o surto epidémico do Poro de 1899 extinguiu, também, muitas vidas e lesou a economia local. Essa nociva pestilência obrigou as autoridades a refletir acerca das políticas de saúde e, como resultado, propiciou a informação imprescindível para a reorganização dos Serviços de Saúde Pública do reino.

E que contributo nos dará o atual surto epidémico da Covid-19?

            Escreverei, noutro momento, acerca da Covid-19. É uma das mais graves pandemias do nosso tempo. Obrigou a um confinamento que perdurará para sempre. Será o confinamento que habitará dentro das nossas cabeças. Mas existe algo que nos permite, desde já, afirmar: a Covid-19 vai ser um acelerador digital. Assim como acontece com um fogo ou com uma pandemia, este acelerador digital dispersara centelhas por todo o lado. O processo de aceleração já teve início com a instrumentalização de alguns serviços vitais, como são, entre outros, o trabalho remoto (o teletrabalho), a educação à distância, (a telescola), o comércio online. A tecnologia de bases dados detetará precocemente, entre outras inovações, as pandemias através do boletim meteorológico.

O desenvolvimento das tecnologias digitais, que incluem o 5G, permitirá conectar, entre outros, os médicos e os pacientes de uma forma diferente da atual relação interpessoal existente, abrangendo os hospitais e a sociedade em geral; os professores e os alunos relacionar-se-ão num cenário interpessoal diferente; a comunidade, a escola, os pais e / ou encarregados de educação colaborarão num contexto educativo com renovadas e mais eficazes possibilidades de novas aprendizagens, mais cooperação, maior e melhor participação cívica e comunitária. As abordagens holísticas emergirão mais velozmente. Mas a Covid-19 veio comprovar-nos uma outra realidade, que alguns persistem em ignorar: a fragilidade de algumas democracias, ditas modelares, como é ocaso dos Estados Unidos da América, com baixíssimos recursos para conter a Covid-19. O modelo de saúde dos EUA assenta na privatização da saúde e na penúria do seu serviço de saúde. A ideia de comunidade nos Estados Unidos da América plasmada na frase “America firts, again” que assenta numa demanda de comunidade que estigmatiza o outro, o diferente. É excludente, racista e misógina.  

Atestou, como já se tínha aferido no passado com outras epidemias, que a Covid-19 é democrática - contagias todos de igual forma -, mas são os pobres e os grupos sobremaneira vulneráveis os mais atingidos. A Covid-19 já causou, e provocará no futuro muitos prejuízos, mas estes serão nacionalizados e os dividendos distribuídos. É preciso confiar no futuro, num novo mundo que vai dando passos em frente, mas, como diz o ditado popular, Confia no futuro, mas põe a casa no seguro.








[1] A doença é provocada pelo bacilo Pasteurella pestis — ou Bacillus pestis, ou ainda Yersinia pestis - sendo em primeiro grau, uma moléstia de roedores, podendo ser transmitida aos homens por pulgas oriundas de ratos contaminados (Silva,  Victor Deodato da. 383).
[2] Carrejão: homem que, das estações do caminho-de-ferro, transporta bagagens para o lugar indicado pelo passageiro.
[3] Rua estreita e comprida estrada estreita, rústica, entre muros ou sebes, na região periférica de uma povoação, aldeia, vila etc.;azinhaga in Dicionário Eletrónico Houaiss da linga Portuguesa.
[4] Coelho, 1900, p. 61/74.
[5]  Dono de uma casa onde se vende vinho a varejo; bodega, taberna, tasca; estabelecimento rústico, onde se come; taberna (1881); pequena mercearia; tenda in Dicionário Eletrónico Houaiss da linga Portuguesa.
[6] Anamita: relativo ao Aname, região central do Vietname.
[7] Cf. Almeida, 2013, p. 695.
[8] Cf. Almeida, 2013, p. 82.
[9] Cf. Pontes, 2012, p. 44.

[10] Cf. Almeida, 2013, p. 12.
[11] Cf. Almeida, 2013, p. 89.
[12] Miguel Bombarda - Médico português (1851-1910). Lecionou na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa e dirigiu durante vários anos o Hospital de Rilhafoles (hoje com o seu nome), empenhando-se na sua reorganização. Foi um dos fundadores da Liga Nacional contra a Tuberculose e presidiu a diversas entidades ligadas à Medicina. Foi autor de uma vasta obra científica, nomeadamente no domínio da Psiquiatria. Fez-se ainda notar como republicano e anticlericalista convicto, chegando a integrar o comité revolucionário que desencadeou o golpe de 1910. Diciopédia, 2002, Porto Editora.
[13] Cf. Almeida, 2013, p. 93.
[14] Pontes, 2012 , p. 60.
[15] Sampaio Bruno - José Pereira de Sampaio Bruno, jornalista, escritor e político, nasceu no Porto em 1857 e aí morreu em 1915. Foi um autor extremamente versátil, produzindo uma vastíssima obra de cariz político, religioso e filosófico.
Com apenas catorze anos assinou o seu primeiro artigo. Ainda adolescente, publicou o seu primeiro livro, intitulado Análise da Crença Cristã, que suscitou uma onda de revolta e polémica no seio da conservadora sociedade portuguesa de então. Entre as suas publicações contar-se-iam, mais tarde, Geração Nova, A Ideia de Deus e Portugal e a Guerra das Nações, em que simultaneamente se notava o seu poder de filósofo e ensaísta e o seu desejo de intervenção na realidade que o rodeava.
Foi um acérrimo propagandista da República e toda a sua obra teve na cultura portuguesa uma forte influência. Com José de Alpoim, Júlio de Matos, Basílio Teles, Manuel Teixeira Gomes, compartilha os problemas da conjuntura política do seu tempo. Em conjunto constituem e frequentam tertúlias onde os seus espíritos de republicanos ficam cada vez mais enaltecidos.
Fez parte da direção do Partido Republicano Português e participou no golpe de 31 de Janeiro de 1891. Após a proclamação da República, foi nomeado funcionário superior da Biblioteca Municipal do Porto, o que ainda contribuiu para o aumento da sua já vasta cultura. Diciopédia, 2002, Porto Editora.
[16] Citado por Pontes, 2012 , p. 52.
[17] Cf.Almeida, 2013, p. 80.
[18] Cf. Almeida, 2013, p. 14.
[19] Cf. Almeida, 2013, p. 693.
[20]Antepositivo, do gr. drapétés,ou 'fugitivo'; ocorre nos cultismos drápete, drápetis, drapetisca, drapetóidea, drapetóideo, drapetomania, drapetomaníaco e drapetômano, do século XIX em diante in Dicionário Eletrónico Houaiss da linga Portuguesa
[21] Cf. Dias & Ferreira, 2016, p. 155.
[22] Pontes, 2012 , p. 19.
[23] Cf. Almeida, 2013, p. 697.
[24] Cf. Almeida, 2013, p. 114.

Bibliografia

Almeida, M. A. (2013). Saúde pública e higiene na imprensa diária em anos de epidemias, 1854-1918. Lisboa: Colibri.
Castro, P., Lima, M. l., Sobral, J. M., & Sousa, P. s. (2009). Perante a Pneumônica - a epidemia e as respostas das autoridades de saúde pública e dos agentes políticos em Portugal (1918-1919). Belo Horizonte: VARIA HISTORIA, vol. 25, nº 42: p.377-402, jul/dez.
Coelho, C. A. (1900). A Peste do Porto de 1899. Porto: Impresa Portugueza .
Dias, P., & Ferreira, D. ( 2016). História de Portugal. Lisboa : Verso da Kapa • Edição de Livros, Lda.
Pereira, A. L., & Pita, J. R. (1993). Liturgia higienista no século XIX. Coimbra: Revista de Historia das Ideias Vol. 15.
Pontes, D. (2012 ). O cerco da peste no Porto - Cidade, imprensa e saúde pública na crise sanitária de 1899 . Porto: Faculdade de Letras do Porto.
Scliar, M. ( 2007 ). História do Conceito de Saúde. Rio de Janeiro: PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva,.
Silva, V. D. (?). A Peste Negra de 1348 e Suas Repercussões. São Paulo: Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.


domingo, abril 05, 2020

Covid19. Regresso ao passado: o caso da Peste negra...


"Não é fácil resistir à melancolia de olhar pela janela e ver o mundo lá fora. Mas a epidemia vai passar, a História ensinou-nos"
Daniel Sampaio,
(EXPRESSO, 16.03.2020)

      

             

Coabitamos todos num Covi(d19)l, uma espécie de cova povoada por animais ferozes dos quais nos temos de proteger. Ficar em casa é, neste momento, a decisão mais acertada, mais responsável! Estou em casa há, aproximadamente, um mês. Saí três vezes: uma para ir à farmácia, outra para fazer compra na mercearia local e uma terceira para levar o lixo. Nas três vezes que me desloquei para o exterior respeitei escrupulosamente as indicações que me foram dadas pela DGS. Desloquei-me à rua de forma dissimulada (fui de máscara e calcei luvas), numa tentativa de o miserável malfeitor, o “bicho mau”, não me identificar e, consequentemente, não me abalroar. Em mim existe um sentimento de apreensão diante do que julgo perigoso. É perigoso e tenho medo.
        

                    Permítanme asseverar mi firme creencia en que nada debemos                      temer sino el miedo en sí.
                                                                                                                                                                                          Franklin Delano Roosevelt
                                                                                                                                                                                                               Discurso de investidura, 1933[1]




       
O medo que tenho, que temos e que nos flagela. O medo que é sempre mais temível quando é difuso, disperso e pouco claro; quando se move livremente, sem vínculos, sem amarras, sem lugares visíveis; quando nos ronda sem emitir sons; quando a ameaça que tememos pode ser provável em qualquer parte; quando é impossível vê-la num lugar concreto. O medo é isso, o nome que atribuímos às nossas incertezas, à nossa ignorância acerca do que se pode ou não pode fazer para a detê-lo ou para combate-lo, sem conseguir acabar com ele quando se nos revela como algo que está para além do nosso alcance. O medo é um sentimento conhecido de todos nós. Na presença de uma ameaça que constitua um perigo para a nossa vida, a nossa resposta oscila entre uma de duas opções: a fuga ou agressão. Nalguns outros casos na agressão e na fuga imediata. Mas o nosso medo ao perigo não depende tanto da dimensão ou da natureza das ameaças reais mas, sobretudo, da ausência de confiança nas defesas que temos disponíveis. A insegurança e a nossa vulnerabilidade são recicladas social e culturalmente, tornam-se rotineiras e são por nós interiorizadas de tal forma que nos permitem adquirir as imprescindíveis capacidades para darmos respostas quando enfrentamos um determinado perigo. Os medos são complexos e variados. Pessoas de categorias sociais, de género e de idade distintas vivem, podem viver, obstinadas por medos relativos à sua pertença e/ou condição. Mas medos existem que todos nós compartilhamos independentemente da zona do planeta em que estejamos ou vivamos: o medo, entre outros, das catástrofes naturais e ambientais[2]. O prometedor, o que nos torna capazes, o que nos determina 
 é a inteligência que em nós se agiganta sempre que temos de enfrentar o medo e nos dá aptidões de vermos para além dele, do medo. Para estes medos não existem fármaco nem é provável que se produza algum tão rápido quanto ambicionaríamos. Estão neste caso, entre outras, aquelas que exaustivamente a história social das doenças nos narra, nos narras de tal forma que a sua própria referência funciona como agente contaminante: as doenças infetocontagiosas.
                                                                               
                                                                                                          Por medo dos pardais,
                                                                                                                                                               Não se deixa de semear cereais.
                                                                                                                                                               Provérbio popular


       Antes do covid-19, - que, nos últimos meses, nos tem perturbado, martirizado e vitimado -, a humanidade já experimentou outros acontecimentos semelhantes. Regresso ao passado, ao seu ventre, para ajudar a expulsar do seu útero o seu passado histórico tão repleto de factos e em que a vida do homem é como uma vela acesa ao vento.

            Regresso ao passado: o que a história nos ensinou (?!) 

O conceito de Idade Media não foi, não é ainda nos nossos dias, universalmente aceite por todos os historiadores. São distintas as considerações e subdivisões concetuais construídas por distintos investigadores e historiadores. “O conceito de Idade Média generalizou-se no século XVIII - quase sempre em sentido pejorativo - para transformar-se, no século XIX, num topo fixo da periodização histórica”[3]. Não é, no entanto, esta discussão que (me) importa, nem sou, tão pouco, a pessoa mais indicada para discutir os postulados, conclusões e/ou métodos usados pelo investigadores e historiadores para sustentar uma ideia e/ou refutar outra. Todas estas divisões e compartimentações encerram, porém, algumas insuficiências e arbitrariedades históricas. O percurso telegráfico que aqui se fará não tem uma sequência cronológica, i.e. o tempo das coisas não é estudado nas suas divisões sequenciais com o objetivo de distinguir a ordem de ocorrência dos factos. Não é esta a preocupação que norteou este texto. O que se pretende é regressar ao passado, - a alguns acontecimentos marcantes da história da humanidade -, e, apoiado pela história, pela literatura e por outras investigações disciplinares que sobre estes acontecimentos refletiram, tecer algumas apreciações relacionadas com as doenças que atingiram a humanidade, sobretudo nas que ocorreram na designada idade média. A história, e a literatura são fundamentais para percebermos o que se passa, mas não nos permite comparar situações e contextos distintos. As comparações são de uma forma geral enganosas. O reservatório da experiência que a história e a literatura nos fornecem devem ser considerados e compreendidos.

Ambicionar relacionar situações que se desenvolveram em contextos diferentes seria um erro. Comparações que se revelariam, por isso, falaciosas. O (meu) objetivo é percorrer o reservatório de experiências e com ele procurar entender melhor, ou de forma distinta, o nosso presente. Para ser mais claro: investigaram-se aqueles textos que, explícita ou implicitamente, contribuem para a compreensão e relação entre um determinado passado e um presente em transmutação. A perceção da relação entre passado e futuro alterou-se, de forma evidente, também, na sequência das gerações históricas que foram  emergindo. Neste texto o antes e o depois constituem o horizonte de sentido desta narrativa[4].

Idade Media e a peste negra

As primeiras e mais funestas epidemias na Europa apareceram[5], propagaram-se[6], tornaram-se endémicas[7], passaram a epidémicas[8] e, por fim, transformaram-se em pandemia.[9] Aconteceram em lugares diferentes do globo em fins do século XII ou início do século XIII. As doenças mais funestas que emergiram no continente europeu, neste período, foram a lepra, a sífilis e a varíola. A peste negra[10] seria a maior afronta às gentes do século seguinte. Importa, por isso, compreender a importância da peste negra epidemia que se manifestou no século VI, retornou um pouco antes de 1350 e permaneceu doença infeciosa até depois de 1650.[11] A peste negra era transmitida através de ratos infetados. A impossibilidade de se combater a peste negra e a maioria de outras doenças infetocontagiosas levou a que durante um longo período de tempo, se considerasse um castigo divino imputando-se, por isso, a, entidades sobrenaturais de natureza maléfica (diabo, lúcifer: o primeiro de todos os demónios) o aparecimento dessas doenças. Os demónios e os espíritos maus eram os responsáveis pelas enfermidades, mas as principais razões, para outros, concentravam-se nas impurezas do ar e das emanações pestilentas, expelidas pelos corpos em decomposição, das substâncias fedorentas, assim como, das águas estagnadas e nauseabundas que, nas ruas, no burgo e nas cidades pululavam. Estas convicções não se contraditavam mas complementavam-se. Não seriam, provavelmente, as únicas razões justificáveis para a emergência dessas doenças, muitas outras existiram, mas essas atribuições, construídas antes da descoberta da microbiologia, centravam-se em elementos que eram, de facto, nocivos para à saúde, e que surgiam em ambientes insalubres e pantanosos, a partir de matérias putrefactas e de elementos em processo de decomposição. A crença de que a doença e a sujidade estão relacionadas permitiu antever a necessidade de cuidar da limpeza para se conseguir preservar a saúde, cuja finalidade principal era afugentar a morte. A morte e a doença tornada possível na vida[12].

A bactéria da peste negra, entre outras, demonstrou ao mundo a presença de um outro mundo, quase invisível, que, somente com os avanços das ciências e das tecnologias médicas, os microscópios vieram a permitir observar.

Os ratos eram os principais transmissores dessa doença infeciosa, designada por peste negra. A designação de “peste negra” e a “magia negra” estavam relacionadas com a cor preta/negra. Esta cor tinha uma conotação pejorativa no Ocidente. A ligação do preto/negro à peste e à magia não era alheia a perceção construída e difundida acerca das pessoas escravizadas de origem africana (os negros). Afirmava-se, assim, como um preconceito pejorativo acerca das pessoas negras escravizadas[13].

A peste negra manifestou-se de duas formas: bubónica e pneumónica. A primeira caracterizava-se por inchaços, ou ínguas, nas axilas ou virilhas, levando a pessoa infetada à morte até do final ao sexto dia de infeção, aproximadamente. A pneumónica era transmitida de pessoa a pessoa, levando os infetados à morte até ao terceiro dia de infeção[14]. A bubónica tinha uma letalidade (relação entre os atingidos pela doença e os que dela morriam) de 60% a 80%. A peste pneumónica tinha uma letalidade de 100%[15]. É necessário relembrar que durante centenas de anos as doenças contagiosas, as chamadas pestilências, originaram mais vítimas que os principais conflitos armados. Por toda a Europa terão morrido milhões de pessoas, embora seja difícil saber os números reais de tal mortandade.

A peste negra, o “mal de que Deus nos livre como noutros tempo se designava, entre outras epidemias, originaram dificuldades financeiras e um declínio populacional que afetou as relações entre camponeses, proprietários rurais e as comunidades em geral. As perseguições fizeram-se sentir durante os tempos em que a peste negra se manifestou. Responsabilizar alguém era imprescindível para justificar os males que devastam as comunidades: os judeus eram os “principais responsaveis pela transmissão da doença” e, por isso, foram, mais uma vez, perseguidos e massacrados em nome da fé e de grupos religiosos fanáticos que espicaçavam as populações contra os judeus. O efeito da peste negra sobre a sociedade foi tumultuoso e complexo, contribuiu para o aumento da violência contra os judeus e outros “profanadores” de um qualquer preceito religioso e motivou muitas revoltas. Hoje sabemos, um saber da ciência feito, que antes da erradicação de um novo vírus, um agente infecioso, o contágio acontece, de uma forma geral, através do contacto com as excreções das vias respiratórias, das lesões da pele de pacientes, ou através de os objetos recém-contaminados.

A peste negra era democrática, igualitária e universal alcançava indiferentemente todos. Contrariando alguma (des)informação disseminada de que a má nutrição era a causa  principal do contágio da peste negra aferiu-se que os ricos e os pobres, corpos bem e mal nutridos, eram igualmente contagiados pela peste. O que distinguia um rico de um pobre, neste caso, não eram as suas díspares desigualdades sociais. A diferença principal, entre eles, estava no simples facto de se estar ou não mais exposto ao contágio. Grupos como os médicos, padres, coveiros, entre outros profissionais, eram os mais afetados. As regiões agrícolas, constituída por pessoas mais dispersas territorialmente, eram mais poupadas que as gentes das cidades. À medida que: crescia a distância social entre as pessoas; as mesmas se afastavam-se dos locais tocados pela peste negra; alterando as suas rotinas e hábitos, típicos da vida da cidade, ampliando as possibilidades de não serem contaminadas. Foi o que fizeram, por exemplo, com os personagens do Decameron, de Giovanni Boccaccio[16], que abandonaram Florença e foram viver isolados nos arredores da cidade enquanto a peste lesava os concidadãos que não tinham recursos[17].

A peste negra foi a maior tragédia demográfica da história ocidental: num intervalo de tempo bem menor, matou, em termos absolutos, mais do que a Primeira Grande Guerra Mundial e, em termos relativos, considerando-se a população europeia nos dois momentos, mais do que a Segunda Guerra Mundial[18]. A peste negra “atingiu Portugal, com uma regularidade média de sete a oito anos. Existem testemunhos de surtos em 1356, 1361-1363, 1365, 1374, 1383-1385,1389, 1400,1415, 1423, 1429, 1432-1433, 1437-1441, 1448-1453, 1456-1458, 1464, 1466, 1468, 1469, 1472, 1477-1478, 1480, 1497”[19].

A partir do final da Idade Média e das audaciosas expedições portuguesas, encorajadas e orientadas pelo Infante D. Henrique, iniciou-se a exploração europeia. Após a tomada de Ceuta (1415), os portugueses foram os pioneiros de uma série de viagens ao longo da costa africana ocidental. O êxito comercial dessas viagens, graças à importação de especiarias pela Europa, acelerou seu desenvolvimento; esperava-se alcançar as especiarias de melhor qualidade da Índia e incentivar o lucrativo comércio com os árabes. Foi o começo de uma era: a expansão portuguesa e europeia[20].
.
A expansão portuguesa provocou choques violentos nas estruturas sociais, económicas, culturais, políticas e demográficas, entre outras, também pela manifestação de novas moléstias. Com a chegada dos navegadores portugueses às quentes terras de África e dos Brasis, onde enfermidades desconhecidas os aguardavam, em especial bactérias e parasitas dos mais variados. Os marinheiros eram porto de abrigo de organismos que deles obtinham alimento e, não raro, lhes causava dano. Do mesmo modo, os navegadores e outros que de maneira ilegal ou maldosa, auferiam lucros e vantagens à custa de outros, arrastavam com eles vírus e bactérias que foram causa de imensas mortandades nas gentes nativas. Os navegadores, os marinheiros e aventureiros portugueses, entre outros, fizeram import-export de várias enfermidades. Com o transporte de pessoas escravizadas de origem africana (negros) dispersaram, ainda mais, outras doenças. As malhas que o império tece introduziram com ele em 1521 uma moléstia infeciosa que ataca um grande número de indivíduos e, entre eles, o próprio rei D. Manuel I[21]. Nos hospitais o “fizico”, os cirurgiões e a botica bem abastecida não conseguiam dar resposta às imprevisíveis doenças. O desconhecimento e a ignorância, as limitações do saber médico acerca de muitas destas novas doenças aumentarem o receio da sua propagação no reino. Só a experiência do saber feito viria a criar soluções provisórias para as inesperadas doenças. Provisórias porque, como sabemos hoje, somente com as descobertas científicas (ex: da penicilina em 1929, pelo médico bacteriologista inglês Alexandre Fleming) foi possível, mais tarde, combater alguns, destes grandes pesadelos da humanidade, através da comercialização de antibióticos em grande quantidade.

            Durante aproximadamente 450 anos a sífilis reinou em toda a Europa. Terá “sido trazida em 1492 do Novo Mundo pelos homens de Colombo para a Europa”[22].

Com o advento das doenças tropicais, D. João II decidiu que:

nenhuma nau passasse o Restelo sem autorização prévia. (...) sob pena de perda da mercadoria e navio, sendo açoitados os mestres que tal demanda não respeitassem. Se existissem doentes a bordo a nau ficava em ´periodo de impedimento` na embucadura do rio até os doentes terem melhorado”.


Este período foi no século XVII fixado em quarenta dias e passou como tal a ser  designado por quarentena[23].

Prescrições semelhantes já tinham sido antes seguidas pelas autoridades portuárias mediterrâneas de Marseilles, Veneza, Pisa e Génova.  Na primeira metade do século XV, foi construído o primeiro lazaretto ou casa especialmente destinada à contenção e observação médica de pessoas estrangeiras portadoras de lepra e peste. Neste  estabelecimento, para observação sanitária, as pessoas eram colocadas de quarentena sempre que se atestasse que eram portadoras de moléstias contagiosas. É interessante constatar que a República de Veneza estabeleceu o primeiro quadro de saúde, em 1458, formado por três nobres com o objetivo de investigar e decidir qual o melhor procedimento a adotar para preservar a saúde pública na cidade. Os regulamentos italianos e as leis de quarentena serviram de modelo para outros estados[24] .


            Contágio da sífilis: as vítimas transformam-se em culpados

Em França no século XV, as medidas adotadas contra os parisienses sifilíticos eram a segregação: guetos constituídos por barracas deploráveis fora da muralha de Paris. As entidades responsáveis pela saúde de Paris haviam admitido como solução, a menos dispendiosa e a mais adequada, o encaminhamento dessas pessoas portadores de sífilis para uma leprosaria. Ora, o leproso “era visto, na sociedade medieval com um misto de repulsa e de compaixão visto, como considerava a Igreja Católica, terem sido concebidos em período proibido às relações sexuais, nomeadamente durante o período menstrual, esta impureza física e moral marginalizava-os”.[25] Mas, mesmo marginalizados, de imediato, os leprosos rejeitavam a possibilidade de pessoas com sífilis serem remetidas para as leprosarias. Esta pretensão fracassou por causa da oposição das próprias pessoas leprosas: amotinaram-se e recusarem tal companhia. Igualmente os estrangeiros chegados a Paris e que presumidamente sofressem de sífilis eram imediatamente forçados a sair da cidade em 24 horas. Eram-lhes oferecidos quatre ecus para que regressassem à origem. O desrespeito desta ordem era severamente penalizado com pena de morte. Mas por muito duras que fossem as prescrições, muitos eram os estrangeiros que desobedeciam. Novas leis foram decididas, ordenando que, sempre que se achasse um estrangeiro sifilítico, o mesmo fosse afogado no Sena. Paris, que se mantinha fiel à teoria do ar alterado, impedia as pessoas doentes de conversar ou contactar com as pessoas sãs. As prostitutas deveriam abster-se da prática da prostituição, sob pena de serem marcadas com um ferro em brasa e depois banidas[26].



As mulheres que mercadejavam o corpo tinham os seus bairros prostibulares na cidade de Lisboa. As autoridades eclesiásticas sempre cautelosas e em nome dos bons costumes e a da moralidade cristã decretaram no sínodo de 1307, a sentença de excomunhão contra aqueles que alugassem casas às meretrizes de Lisboa. Uma medida repressiva e excludente que contribuiu para o aparecimento dos ditos bairros. Abandonadas, algumas destas mulheres, vagueavam de tabernas em taberna, de albergaria em albergaria, por caminhos e por feiras com a fragrância da miséria e do abandono. A sua presença contribuía para a emergência de furtos, brigas, desacatos, conflitos físicos e para a disseminação de algumas das doenças que pululavam por toda a cidade. Para além da deficiente higiene pessoal abundavam as rixas, os duelos e, consequentemente, os ferimentos eram frequentes e alguns mortais.[27]

Eram as relações sexuais a principal fonte principal do contágio da sífilis eram as relações sexuais. Mas o aparecimento da doença em “algunos religiosos y dõzellas y criaturas y honestísimas personas” indica que o contágio “no solamente se apega por canal ayuntamento: pero por dormir en una misma ropa e beber con el mismo vaso” previamente utilizado por sifilíticos. A transmissão da doença faz-se de uma pessoa a outra, por contacto direto ou indireto, por isso, já nesta altura, se aconselhava a lavagem cuidadosa e imediata sempre que alguém tivesse contacto ou “ayuntamento com mujer”. Se o fizer, no dizer clínico, “ nunca padecerá la semejante enfermedad”.[28] Lavar as mãos antes e depois das refeições era aconselhado.[29] Mas estas indicações contrastavam com a escassez de higiene e de saneamento público das cidades, das vilas, das aldeias, das ruas, dos becos e, sobretudo, das próprias habitações. Os odores proliferavam e eram desagradáveis. O bom senso privado [deveria] conjugar-se com o interesse geral[30].

Muitos crentes tinham a convicção, como já foi referido, de que as epidemias provinham dos maus cheiros que provocavam a corrupção dos ares e das águas, sendo as esterqueiras os focos da putrefação. Era normal lançar nos poços, fontes ou chafarizes, coisas sujas e fedorentas: roupa, coiros ou peles, besta mortas, cães ou outros animais. “Proibia-se que nas praças ou ruas públicas se lancem testeiradas de lixo ou d´água, bem como que alguém o fizesse da janela para a rua sem primeiro dizer três vezes “água vai”, isto é, despejavam-se, entre outas coisas, os bacios para as ruas[31]. O crescimento das cidades associado às condições de vida medieval que se caracterizava, entre outros, pela escassez de estruturas de saneamento básico, em que os dejetos corriam a “céu aberto”, e a pavimentação das ruas era praticamente inexistente, facilitavam mais imundície, maus cheiros e, naturalmente, o aparecimento de imensas enfermidades.

A cólera, a sífilis, a peste, a lepra, entre outras doenças, eram contagiosas e de um a outro se pega e eram estigmatizantes. As pessoas que de um destes males padecesse eram obrigadas a possuir marcas distintivas de forma a poder prevenir quem com eles se cruzasse e, se assim pretendesse, escapar-se para sua proteção. Tempos existiram em que a prostituição passou de clandestina a regulamentada, que compreendia a tributação e atribuição a estas mulheres de lugares bem delimitados, as mancebias (casa de prostitutas; bordel, prostíbulo)[32]. As desigualdades sociais e económicas existiam, também, entre as prostitutas. Algumas desfrutavam de um compensador nível de vida e alguma consideração social por serem instaladas por conta de clérigos, nobres ou respeitáveis cidadãos. Estas, não usavam as mesmas vestimentas que eram impostas a outras prostitutas. Estas tinham de usar vestimentas diferentes das usadas pelas mulheres de família. Usavam véus bem açafroados (cor de açafrão) para se distinguirem das mulheres honestas, as mulheres de honra. A segregação e o estigma que se manifestava, igualmente, no uso das roupas, no reinado de D. Afonso IV, estendiam-se aos judeus que deveriam usar uma marca amarela no chapéu bem visível, para puderem ser identificados como tal. Viviam nas judiarias dentro das muralhas da cidade. Os mouros eram igualmente forçados a usarem trajes que permitissem a sua identificação, pelo que, deveriam incluir um sinal branco no barrete. Os mouros viviam nas mourarias, nome que recebiam os bairros onde os cristãos os obrigavam a viver. Judeus e mouros eram marginalizados, sobretudo, por causa das suas opções culturais às quais não renunciavam. A noção de pureza e impureza, as práticas alimentares, os modos de vestir, entre outros, estabeleciam as maiores diferenças entre mouros, judeus e cristãos. Embora não vivessem numa situação de absoluta exclusão social os mouros e os judeus habitavam em mourarias e judiarias com portas guardadas que se abriam com o alvorecer e fechavam ao anoitecer. Os sinos das igrejas da cidade de Lisboa davam o toque das ave-marias [33] ou da Trindades[34] ao cair da noite, o que implicava o recolher obrigatório, igualmente para os cristãos. Os médicos judeus tinham normas específicas podendo, por isso, deslocar-se a qualquer hora para atenderem doentes[35]. A cidade de Lisboa estava demasiado fechada nas cercadas muralhas, por portas, arcos, passadiços, escadas e postigos, agravando-se o mal, por estas e outras razões, devido a problemas de escassez e ao número excessivo de indigentes que deambulavam pelas ruas. No Rossio e área norte da cidade, existiriam aproximadamente 15 portas: a porta da mouraria, a porta do sol, a porta do Martim Moniz, a porta de Santana, a porta de Santo Antão, entre outras[36].

Era, pois, num contexto demasiado fechado, o que não impedia, porém,  o aparecimento das doenças infetocontagiosas que se estendiam a todos os grupos etários do clero, da nobreza e do povo. Emergiu o medo e o alarme, a dor no seio das famílias afetadas pela doença, sobretudo entre os pobres e os mais debilitados; arregimentou, igualmente, as multidões contra as minorias, estigmatizadas por fundamentalismos morais ou religiosos; consolidou o papel de líderes religiosos, enfraqueceu o prestígio de envelhecidas teorias médicas e permitiu a emergência de sistemas doutrinas rivais; criou novas dinâmicas nos governos e aparelhos da administração pública no combate à doença e o aparecimento de uma "polícia médica" em alguns países[37].

Mas estes julgamentos de natureza moral acerca das classes sociais mais desfavorecidas não batiam certo com a realidade, já que as doenças atingiam todos e todas as grandes figuras da sua época: “Carlos VII (1422 - (1461), Luís XII (rei francês 1462-1515), Francisco I (monarca austríaco 1708-1765), e Henrique III de França (1574-1589). O imperador Carlos V (1500-1558), Henrique VIII de Inglaterra (1491-1547), seu filho Eduardo VI (1547-1553) e sua filha Maria Tudor (rainha inglesa (1516-1558), os Papas Alexandre VI (1492) e Júlio II (1503) e até Filipe II de Espanha e, I de Portugal (1581-1598), não lhe escapou”[38].

Em julho de 1415, a Rainha Dona Filipa de Lencastre, após ter entregado as espadas aos infantes, seus filhos, em vésperas destes partirem para Ceuta, conforme narra Zuara nas Crónicas da Tomada de Ceuta, (Cap. 41) morrerá um mês depois, em 18 de Julho de 1415, vítima da peste negra[39]. Resumindo: os julgamentos apressados contra as classes sociais mais desfavorecidas que acusavam as vítimas de serem responsáveis pela sua própria condição eram fruto da imaginação criativa das classes sociais mais abastadas. A realidade era diferente: nenhuma classe social escapava a estas pestilências.

            A peste negra para além dos registos supramencionados ficou, igualmente ligada a outros importantíssimos acontecimentos da história de Portugal: em Lisboa, o líder da revolta popular - a revolução de 1383[40] -, que se revelou, ser D. João, Mestre da Ordem Militar de Avis, filho bastardo do rei D. Pedro I, aguentou um duro cerco de Lisboa que acabou por correr mal ao rei de Castela, pois se viu obrigado a retirar as suas tropas depois de o seu exército ter sido atacado pela peste[41]. Outro acontecimento relacionado com a peste negra, verificou-se no reinado de D. Duarte, na fracassada expedição  a Tânger, em que este morre, em 1438, vítima de peste[42].

A Europa e o renascimento.

Resta saber se as doenças infetocontagiosas terão sido uma causa ou um simples fator de aceleração de mudanças inevitáveis. Estas doenças transportaram consigo grande mudança nas mentalidades, nos sistemas de saúde pública, nas economias, nas políticas, nos modos de vida, nas técnicas e tecnologias, na literatura e na cultura em geral, entre muitas outras transformações. Estas doenças elevaram as taxas de mortalidade e contribuíram para alterarem nas populações a perceção quanto à proximidade da morte. As mortes provocaram um grande choque nos que sobreviveram. Se a privação inesperada de um ente querido abalou a fé e as práticas cristãs de muitas pessoas, trouxe igualmente consigo um renovado fervor religioso e um maior entendimento das omissões e dos pecados cometidos. A busca da salvação transmutou-se com os acontecimentos.

Ora este período, que conheceu tanta infelicidade e revelação profética relacionada com cataclismo em que as forças do mal vencem as forças do bem. Este apocalipse viu, também, nascer e florescer o humanismo e o desabrochar do Renascimento. Mas o Renascimento, como outras épocas históricas, foi um período complexo, contraditório, de transição e cheio de paradoxos. Ao mesmo tempo medieval e moderno, cristão e pagão, secular e sagrado, ciência e religião, o período foi, assim, um “simultâneo equilíbrio e síntese de muitos opostos"[43].

A idade Média foi o ventre que ajudou a expulsar do seu útero o Renascimento. A peste negra[44] gerou Decameron[45], Masaccio[46], o primeiro grande pintor do Renascimento italiano. Brunelleschi[47], o arquiteto genial que concluiria, em 1434 a cúpula, de Santa Maria del Fiore. A encantadora Ca' d'Oro de Veneza data da primeira metade do século XV. O retábulo do Cordeiro Místico, a maravilha de Gand, foi pintado por Van Eyck, pintor flamengo, entre 1413 e 1432. O século XV é a idade de Ouro da pintura flamenga. Quem admirar na Hofburg de Viena[48] os sumptuosos paramentos sacerdotais, utilizados no século XV na corte de Borgonha, para as cerimónias da ordem do Tosão de Ouro[49], interroga-se como tanta riqueza pode coexistir com tanta miséria[50]. Aparece,  ainda, o hospital, como casa de acolhimento de doentes, surgida já nos finais da Idade Média, inícios dos tempos modernos. Esta instituição hospitalar, para receber doentes infetados, era designada gafarias ou leprosarias, criadas pelos reis ou pelos municípios, devido aos repetidos surtos de peste. Já no último quartel do século XV, surgiram os hospitais para pestilentos[51]

Ao relembrar, neste texto, a virulência da peste negra e outros flagelos que mataram um número expressivo de pessoas, desejo contribuir para a necessária reflexão e, consequente, compreensão da existência humana quando atingida por trauma epidémico, o Covid-19. Uma maldição em constante transmutação. As epidemias e as quarentenas deixam as cidades repletas de fantasmas que alojam o silêncio e a ausência da vida pública. Nestes espaços despejados pela maldição, resta apenas o silêncio de um Deus que persiste em existir. Esta difícil experiência social difícil, como sequela trágica de um acontecimento epidémico, transfigura em solidão a nossa (própria) existência. Da tríade: “covid-19”, “isolamento social”, distanciamento social, resulta, para alguns de nós, uma quarta variável: a morte.

Como ficou demonstrado a peste negra, a sífilis, entre outras doenças infetocontagiosas, provocaram violências, a marginalização e ações estigmatizantes dos poderes instituídos. Mas podem suscitar, também, mesmo em “prisão domiciliária”, um pretexto para o desenvolvimento dos valores humanos e ampliar a (nossa) compaixão (para os religiosos), a (nossa) solidariedade em tempos de cólera, em tempos difíceis. A solidariedade com e para todos e todas as pessoas e profissionais que lutam no (nosso) SNS, colocando em risco a sua própria vida, para salvarem a minha, a tua a nossa vida. É um texto que se propõe contribuir, também para a necessária reflexão das presentes e futuras políticas de saúde pública e à tensão existente entre liberdade e proteção do indivíduo; é um texto que interroga: o ventre que ajudará a expulsar do seu útero o futuro. Que futuro?




[1] Citado por Bauman, 2008, p. 9)
[2] Cf. Bauman, 2008
[3] Koselleck, 1979 , p. 271
[4] Cf. Koselleck, 1979 , p. 15
[5] Os vírus são microorganismos compostos por proteínas e material genético que atingem diversos organismos e estão em toda a parte, são os organismos mais abundantes no nosso planeta, mas nem todos causam prejuízos ao ser humano. Alguns de nós adquirimo-los por contacto com um animal infetado ou através dos seus dejetos.
[6] As infeções víricas podem-se propagar-se por meio de um agente portador (ar, um inseto…) ou de maneira direta mediante o contacto físico com alguma pessoa infetada. O vírus como o da gripe afeta o sistema respiratório propaga-se através da tosse e dos espirros e pode contagiar pessoas que estão a cerca de um metro de distancia. Pode ser transmitido num transporte público e alastrar-se a uma grande cidade e começar uma enorme viagem.
[7] Infeções, como a varicela ou a malária, podem aparecer de forma recorrente num pais ou numa região e, com mais força, em determinadas épocas, durante anos e anos. São epidemias quando afetam uma quantidade controlada de pessoas numa região concreta durante períodos prolongados (país ou regiões).
[8] Fala-se em epidemia quando o número de infetados por doenças infeciosas aumenta de maneira repentina muito para além do que é normal. Podem ser consequência do clima ou de desastres naturais e só se estabelecendo um limite de deteção em função do número de novas infeções por habitante.
[9] Falamos de pandemia quando uma epidemia afeta ao mesmo tempo pessoas que habitam em lugares muito distantes umas das outras e sem se ter desenvolvidos algum tipo de imunidades, nem tratamentos. Nestes casos tornam-se  necessários a vigilância e a informação e comunicação permanentes entre os governos e os organismos internacionais de saúde, para determinarem a evolução da infeção. Em alguns casos, fecham-se localidades inteiras, suspendem-se voos internacionais fecham-se fronteiras e tomam-se medidas mais drásticas que podem incluir a do estado de emergência. A Organização Mundial da Saúde criou um regulamento Sanitário Internacional e normativos subscritos por 196 países, que estabelecem a possibilidade de declarar emergência em saúde pública e/ou ações internacionais coordenadas.
 [10] Giovanni Boccaccio (1348 e 1353). O livro é uma história que contém 100 contos narrados por um grupo de sete moças e três rapazes que se abrigam numa vila isolada de Florença para fugir da peste negra, que afligia a cidade.
[11] Cf. Loyn, 1990
[12] Foucault, 1977, p. 117
[13] Silva & Silva, 2009, p. 313
[14] Ibidem
[15] Júnior, 2001, 2ª ed., p. 36
[16]A peste negra como tema literário:
- Francesco Petrarca (1304 - 1374) contemporâneo e amigo de Boccaccio narrou nas suas epístolas familiares (Epistulae metricae) episódios da sua vida e, entre eles, a tragédia de sua mulher amada, Laura, quando encontrou o seu cadáver na madrugada de l 6 de abril de 1348 vítima da Peste negra.
- Albert Camus nasceu em Mondovi, Argélia em 7 de novembro de 1913. Era um franco-argelino.
Argélia era desde 1832 uma colónia Francesa. A Peste é una novela que o autor começou a escrever entre os 28 e 29 anos quando se radicou na cidade argelina de Orán, que é o local onde se desenrola a epidemia e que dá título a sua obra. A novela tem um conteúdo médico, sabiamente intercalado no texto para criar a necessária tensão no leitor; cada página incluiu uma novidade. Mas o que atrai a atenção do historiador de medicina é a exata descrição clínica da enfermidade epidémica, verdadeira história clínica relatada por um escritor não médico (Cf. Larrosa, 2005).
[17] Júnior, 2001, 2ª ed., p. 26
[18] Cf. Júnior, 2001, 2ª ed., p. 37
[19] Rodrigues, 2008, p. 114/115
[20] Sousa , 2013, p. 157
[21] Sousa , 2013, p. 213
[22] Sousa , 2013, p. 157
[23] Ibidem
[24]Cf. Santos, 2014
[25] Oliveira, 2015, p. 171
[26] Cf. Sousa , 2013, p. 234/35
[27] Cf. oliveira, 2015, p. 198
[28] Cf. Sousa , 2013, p. 238
[29] Oliveira, 2015, p. 158)
[30] Cf. Ariès & Duby, 1990, p. 589
[31] Cf. Oliveira, 2015
[32] Ibidem, 2015, p. 196
[33] O conjunto de três badaladas dadas pelo sino de uma igreja, para convocar os fiéis à oração da ave-maria; ângulos: oração, em latim, de saudação e prece à Virgem Maria e que se reza ao amanhecer, ao meio-dia e ao anoitecer. Oração que se inicia pelas palavras ave e Maria
[34] Dogma católico que proclama a união de três pessoas distintas, Pai, Filho e Espírito Santo, formando um só Deus; o mistério da Santíssima Trindade.
[35] Cf. Oliveira, 2015, p. 209
[36] Cf. Coelho, 2006)
[37] Cf. Santos L. A., 1994
[38] Sousa , 2013, p. 246
[39] Cf. Almeida, Brochado, & Dinis, 1960, p. 152;  Cf. Rodrigues, 2008, p. 114/115
[40] Cf.Coelho A. B., 1981
[41] Dias & Ferreira, 2016, p. 38
[42] Dias & Ferreira, 2016, p. 42
[43] Cf.Rosa, 2012, p. 332
[44] As epidemias  são, ainda, responsáveis indiretas por muitos avanços. A partir de diversas epidemias emergiram medidas no domínio da saúde, entre outras, e que mudaram os nossos hábitos e costumes. Comportamentos e instituições que fazem parte da nossa vida quotidiana sem sabermos, muitas vezes, as suas origens. Os asilos foram criados para contender a lepra na Idade Média. Eram os sacerdotes que organizavam estes espaços, fiscalizados e inspecionados para isolarem os doentes e evitarem a propagação dos contágios. Este tipo de de espaços também foi usado para albergar mendigos e vagabundos. A quarentena criou-se para preservar a distância social e organizar territorialmente as populações para enfrentarem a peste negra no século XIV, obrigando, por isso,  os poderes instituídos a colocarem vigilantes nas ruas, inspetores nos bairros e autoridade administrativas nas cidades, que velavam pelo cumprimento das medidas adotadas. Por etapas e em distintos períodos a estas responsabilidades foram-se acrescentando outras e assim surgiu o que é hoje conhecido como autoridades policiais. As vacinas: a varíola (doença contagiosa aguda (oficialmente declarada extinta do planeta na década de 1970) matava muitas das pessoas contagiadas e durante a conquista da América dizimou uma grande parte da população. Graças a Edward Jenner e Louis Pasteur, que examinaram cientificamente as práticas antes usadas e as transformaram em vacinas. A aplicação generalizada das vacinas veio poupar milhares de vidas humanas. Os inseticidas. Muitas doenças transmitidas pelos mosquitos provocavam a malária e o dengue. Em 1939, Paul Muller, que descobriu as propriedades do DDT para acabar com os mosquitos transmissores da doença, contribuiu, assim, para a luta que se travou conta a epidemia do tifo. Mas os efeitos nocivos do DDT para a saúde e do meio ambiente levou à sua retirada, sendo hoje usado em situações muito reduzidas. Os Cemitérios: na Europa sepultavam-se os mortos dentro das igrejas ou perto desses templos causando, por isso, o aparecimento de doenças e epidemias. A construção de cemitérios aparece no seguimento destes acontecimentos com regulamentos sanitários mais restritos de forma a evitar qualquer doença. As pandemias contribuíram para a necessária reflexão das condições de vida dos povos e para a aparecimento de leis e usos que contribuem para que as nossas vidas sejam mais seguras.
[45] Escrita entre 1348 e 1353, esta obra é considerada como a obra-prima de Giovanni Boccaccio.
[46] Importante pintor florentino (1401-1428) dos inícios do Renascimento.

[47] Filippo Brunelleschi - Arquiteto e escultor italiano (1377-1446), celebrizou-se na construção de cúpulas. Foi um dos primeiros arquitetos italianos do Renascimento. Conhecia a fundo os métodos romanos de edificação e divulgou várias soluções arquitetónicas que fizeram escola e foram fundamentais na arquitetura renascentista.
[48] O Hofburg, ou Palácio Imperial de Hofburg, é um grandioso palácio em Viena, Áustria. Tem as suas origens num castelo fortaleza medieval, datado do século XIII.
[49] Tosão de Ouro - Ordem de cavalaria, instituída na França pelo rei Filipe, o Bom (1396-1467), por ocasião do seu casamento com D. Isabel de Portugal, filha de D. João I, 1357-1433.
[50]Delumeau, 1994, p. 78-79
[51] Cf. Azevedo, 2000



BIBLIOGRAFIA
Almeida, M. L., Brochado, I. F., & Dinis, A. J. (1960). Monumenta Henricina vol. I. Coimbra: Conissão Executiva das comemorações do V Centenário da Morte do Infante D.Hentique.
Ariès, P., & Duby, G. (1990). História da Vida Privada da Europa Feudal ao Renascimento vol.2 . Lisboa: Círculo dos Leitores.
Azevedo, C. M. (2000). Dicionário de História Religiosa de Portugal. Lisboa: CífculoLeitores.
Bauman, Z. ( 2008). La Sociedad Contemporánea y Sus Temores. - 1ª ed. . Buenos Aires: Paidós.
Coelho, A. B. (1981). A Revolução de1383. Lisboa : Editorial Caminho.
Coelho, A. B. (2006). Ruas e Gentes na Cidade na Lisboa Quinhentista. Lisboa : Caminho.
Delumeau, J. (1994). A Civilização do Renascimento Vol.I. Lisboa: Editora Estampa.
Dias, P., & Ferreira, D. ( 2016). História de Portugal. Lisboa : Verso da Kapa • Edição de Livros, Lda.
Foucault, M. ( 1977). O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária.
Júnior, H. F. (2001, 2ª ed.). A Idade Média, Nascimento do Ocidente. São Paulo: editora brasiliense.
Koselleck, R. ( 1979 ). O Futuro Passado - Contribuição à Semântica dos tempos Históricos . Rio de Janeiro : Contraponto Editora.
Larrosa, A. S. (2005). História de la Medicina. Madrid: Salud Militar – Vol.27 Nº 1 – Abril.
Loyn, H. R. (1990 ). Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
Oliveira, A. R. (2015). O Dia-a-Dia Em Portugal na Idade Média. Lisboa: A Esfera dos Livros.
Pontes , D. (2012 ). O cerco da peste no Porto - Cidade, imprensa e saúde pública na crise sanitária de 1899. PORTO : Dissertação de Mestrado de História Contemporânea FLP.
Rodrigues, T. F. (2008). História da população portuguesa. Das longas permanências à conquista da modernidade . Porto : Edições Afrontamento .
Rosa, C. A. (2012). História da Ciência da Antiguidade ao Renascimento Científico. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão.
Santos, I. A. (2014). Conflitos Bioéticos na Qarentena Humana. BRASÍLIA 2014: Tese de Mestrado Bioética.
Santos, L. A. ( 1994 ). Um Século de Cólera: Itinerário do Medo . Rio de Janeiro: PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva vol. 4, nº 1.
Silva, M. H., & Silva, K. V. (2009). Dicionário de conceitos Históricos. São Paulo : Editora Contexto .
Sousa , G. (2013). História da Medicina Portuguesa Durante a Expansão. Lisboa: Circulo dos Leitores.
Um Século de Cólera: Itinerário do Medo . PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva.


tradutor