Com a invasão da Ucrânia pela Rússia alguns comentadores, órgãos de comunicação social, alguma imprensa escrita e as redes sociais constroem discursos que assentam nas seguintes premissas:
Estes discursos são frequentemente usados por líderes políticos, comentadores e pelos meios de
comunicação social para justificar a necessidade de uma resposta forte e unificada à agressão “deles”.
No entanto, é importante lembrar que essas premissas são frequentemente simplificadas e usadas para fins políticos. Embora a defesa dos valores ocidentais, da liberdade e dos direitos humanos seja importante, é preciso reconhecer que esses valores também sãos usados como uma justificação para a intervenção militar e outras formas de coerção.
A liberdade e as premissas referenciadas em relação a “eles” não são uma via de mão única, uma estrada de sentido único. As “nossas”, as ações - dos países ocidentais -, também podem ameaçar as liberdades e os direitos humanos em outras partes do mundo. A propaganda não é também uma característica exclusiva “deles”. Os governos ocidentais,” nós” e a órgãos de comunicação social, alguma imprensa escrita e as redes sociais também usam informações enganosas, hegemónica e distorcidas para moldar/formatar a opinião pública.
Estas ideias não são novas. Não vestem roupagens modernizadas. São historicamente instrumentalizadas e tem o hábito cultural de legitimar e de empregar amplas generalizações através das quais a realidade é dividida em dois coletivos: “nós” e “eles”. Estas categoria são mais uma interpretação judicativa do que uma designação neutra.
Estas narrativas (re)lembraram-me e remetem-me para o excelente livro de Edward Said, (“Orientalismo”, 1997). Que nos conduz para a reflexão de que:
“Nestas categorias encontra-se a oposição rigidamente dual do "nosso" e do "deles", com o primeiro sempre a usurpar o segundo (a ponto, mesmo, de fazer do "deles" apenas uma função do "nosso").”
Os "nossos" valores eram (digamos) liberais, humanitários, corretos; eram sustentados pela tradição das belles-lettres, pela erudição bem informada, pela investigação racional; como europeus (e homens brancos), "nós"…"
Tal retórica, seja onde for e quando for que ocorra, lembra-nos que a Europa é um imponente edifício de erudição e cultura que foi construído também com “eles” (as colónias, ...).
Ora, Edward Said discute a construção binária de "nós" e "eles" argumentando que essa construção é uma forma de essencialismo, que divide o mundo em duas categorias fixas e imutáveis. Estas duas categorias cruzaram os tempos históricos nas mais diferentes configurações sendo a mais ressente a proferida por José Borrell (Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança):
"A Europa é um jardim o resto é selva"
Esta argumentação e construção binária é usada para justificar o imperialismo e o colonialismo, ousando inferir que o Ocidente é superior e civilizado em comparação com o “eles” "bárbaros" e "primitivos". É uma representação simplista e distorcida, é prejudicial tanto para os povos europeus como para os povos de geografias diferentes. Inibe a necessária compreensão e cooperação entre os povos.
Os meios de comunicação social desempenham um papel fundamental na construção das narrativas sobre outras culturas e sociedades. Infelizmente, muitas vezes, essas narrativas são hegemonizadas pelos valores ocidentais, em detrimento das culturas e sociedades não ocidentais. Os órgãos de comunicação social, muitas vezes, apresentam uma imagem estereotipada e distorcida de outras culturas e sociedades. Isso contribui para a imergência de valores radicalizados (extrema-direita) sobre “nós” e para a discriminação da diversidade cultural em “nós” existente.
Em conclusão, a hegemonia dos valores ocidentais, “nós”, frequentemente usados por líderes políticos, comentadores e pelos meios de comunicação social para justificar a necessidade de uma resposta forte e unificada à agressão “deles” é um problema sério que impede a compreensão mútua e a cooperação entre culturas e sociedades. A democracia remete-nos para a necessidade de estarmos mais atentos não apenas à diversidade cultural, mas também contribuirá para uma compreensão mais justa e precisa do mundo em que vivemos.
2 comentários:
Estou 100% de acordo. Mas este cenário também se aplica à Federação Russa. Porque não publicá-lo num órgão de imprensa russo? Abraço.
Claro!
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