segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Perguntas e respostas acerca da educação inclusiva e dos normativos legais: o reino do faz de conta?!

O que é a educação inclusiva? É a integração das crianças aleijadas, incapacitadas, inválidas, na turma normal?

Não, não é! Vejamos, em primeiro lugar, a diferença que existe entre educação inclusiva e a integração. O conceito de integração está de uma forma geral associado à necessidade de retirar as crianças e jovens com deficiências das instituições de ensino especial permitindo-lhes a adaptação a um novo espaço e a possibilidade de novos relacionamentos, de convívio, socialização e aprendizagem. As práticas pedagógicas são, igualmente, transportadas para a escola regular. O programa educativo individual é desenhado pelo professor de educação especial de acordo com as características do aluno. A educação apropriada, os serviços adequados e, respectiva, modalidades de atendimento caracterizam a educação integradora. Temos, pois, uma integração que se caracteriza por uma participação tutelada numa escola com valores próprios à qual o aluno terá de se adaptar.
A educação inclusiva (EI) remete para um outro paradigma educativo: todos os alunos com ou sem deficiência passam a interagir num mesmo contexto educativo, em consonância com os interesses, as características e necessidades de um ensino e aprendizagem cooperativas. A integração/educação
especial
assenta numa perspectiva centrada no aluno; a educação escolar/educação inclusiva assenta numa perspectiva centrada no currículo.


Os termos usados na pergunta (crianças aleijadas, incapacitadas, inválidas, turma normal) foram utilizados até aos anos 80. A partir de 1981, começa-se, por influência do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, a escrever e a falar utilizando a expressão pessoa deficiência. Quanto à turma normal ela deve ser substituída por classe/turma comum ou classe/turma regular.

Não lhe parece que o uso das palavras é uma mera questão de semântica? Não será mais importante saber se existe em Portugal legislação que garanta um ensino e aprendizagem cooperativo, como refere?

Não é uma mera questão semântica ou sem interesse. É importante que os principais agentes educativos, como é o caso dos educadores e professores, falem e escrevam evitando os preconceitos, os estigmas e estereótipos que sempre caracterizaram a nossa relação com as pessoas diferentes. Deveremos desencorajar as práticas discriminatórias ancoradas em conceitos obsoletos, em ideias equivocas e em informações inexactas que inconscientemente reforçam e perpetuam a exclusão e não cooperam no sentido da necessária mudança de paradigma: da integração para a inclusão.  

Sim, garante! Em Portugal a legislação garante uma educação inclusiva. O Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de Janeiro, entre outros, vem activar os necessários apoios especializados às crianças e jovens com necessidades educativas especiais.

Poderemos, então, afirmar que todas as crianças e jovens com necessidades educativas especiais
(NEE) encontram equidade educativa na escola democrática e inclusiva existente no sistema de ensino português?


Não, tal afirmação não corresponde à realidade! De facto os nossos principais problemas não estão relacionados com a (abundante) produção legislativa, mas sim, com as contradições existentes entre a letra da legislação, os recursos e as práticas seguidas nas escolas e agrupamentos de escolas.  ideologia da inclusão está presente nos discursos, nos programas, nos projectos políticos e no imaginário e não nas possibilidades concretas e quotidianas da nossa vida escolar.

Possuímos legislação adequada, escolas de referência, instalações modernas e bem equipadas
e, mesmo assim, não proporcionamos aos (nossos) alunos, nomeadamente aos alunos com NNE, um ensino inclusivo?


Não, muitas das escolas e agrupamentos de escolas não asseguram um ensino que garanta a permanência, os princípios da justiça e da solidariedade social, da não discriminação e do combate à exclusão social, da igualdade de oportunidades no acesso e sucesso educativo, como refere o artigo 2º do DL n.º 3/2008 de 7 de Janeiro.

De facto muitas das (nossas) escolas e agrupamento de escolas possuem instalações modernas e estão bem equipadas. Mas falta, em muitos casos, os recursos humanos qualificados, (in)formados e, consequentemente, com competências para  dar respostas às necessidades dos alunos com NNE. As escolas e agrupamento de escolas não adoptam modelos inclusivos. Muitas continuam a funcionar com base num paradigma educativo centrado na integração.

Como poderemos transpor os obstáculos que entravam o desenvolvimento de uma educação inclusiva?

Não existem respostas simples e prontas a usar! Poderemos, no entanto, tecer algumas considerações que poderão contribuir para desatar alguns dos nós desta problemática. Os recursos humanos, já referenciados, são fundamentais: formação inicial e contínua dos educadores e dos professores é, em geral, a resposta clássica para esta e outras questões educativas. Mas existem outras.

Que outras?

Em primeiro lugar o respeito pelos normativos existentes. É fundamental que as turmas que tenham alunos com NEE não tenham mais de 20 alunos, como está embelecido no despacho 14 026/2007; que os serviços apoio de educação especial assegurem atempadamente e eficazmente os apoios necessários; que a gestão da sala de aula seja feita tendo em consideração que todos os alunos
são diferentes
e não apenas o aluno com NEE; que a gestão e administração escolar criem condições efectivas de apoio e dinamização de procedimentos facilitadoras da igualdade de oportunidades no acesso e sucesso educativo de todos os alunos de forma a contribuir para uma cultura que sedimente valores e práticas que se aproximam da educação inclusiva o que pressupõe (in)formação; definição de procedimentos no Projecto Educativo, nos planos anuais e plurianuais de actividades e nas metas e estratégias de aprendizagem.


Justifica-se que os alunos com NEE sejam apoiados, nalgumas disciplina, fora do contexto da sala de aula/turma em que estão integrados?

Não, não se justifica! A elaboração de um programa educativo individual, elaborado pelo director de turma, docente de educação especial e o encarregado de educação deverá contemplar as adequações curriculares necessárias. Estas adequações curriculares, que não ponham em causa as competências
essências e terminais da disciplina (conforme ponto nº 1 do artigo 18º do DL n.º 3/2008 de 7 de Janeiro), são leccionadas, sempre (!), em contexto de sala de aula/turma conforme a lei referenciada.


A educação inclusiva é da responsabilidade da escola e, pelos vistos, a escola não responde de forma satisfatória. Estamos numa encruzilhada?

Não, a educação inclusiva não é somente da responsabilidade da escola! É uma responsabilidade da sociedade, de todos nós. A sociedade terá de se adaptar, cada um de nós terá de cooperar, ninguém poderá ficar fora!


domingo, fevereiro 13, 2011



Perguntas e respostas acerca da ADD
(Avaliação de Desempenho Docente)

Quando há lugar à observação de aulas?



De acordo com Decreto Regulamentar 2/2010, artigo 9º, ponto 1, A observação de aulas é facultativa, só tendo lugar a requerimento dos interessados.
Mas é, igualmente, obrigatória (de acordo com o ponto 2) para:
a) Obtenção das menções qualitativas de Muito bom e Excelente;
b) Progressão ao 3.º e 5.º escalão da carreira, nos termos estabelecidos no n.º 3 do artigo 37.º do ECD.
3 — A observação abrange, pelo menos, duas aulas leccionadas pelo avaliado em cada ano lectivo.
4 — Para efeitos do disposto no n.º 2, os procedimentos a adoptar sempre que, por força do exercício de cargos ou funções, não possa haver lugar a observação de aulas, são os estabelecidos por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Administração Pública e da educação.

Os Relatores e Coordenadores para obtenção das menções qualitativas de Muito bom e Excelente necessitam de observação de aulas?

O ponto 4 do artigo 9º refere os procedimentos a adoptar sempre que, por força do exercício de cargos ou funções, não possa haver lugar a observação de aulas. Os relatores e coordenadores poderiam ser incluídos neste ponto mas, vejamos o que foi estabelecido pela portaria 926/2010 de 20 de Setembro:
Artigo 1.º
Objecto
1 — A presente portaria estabelece os procedimentos a adoptar sempre que, por força do exercício de cargos ou funções, não possa haver lugar à observação de aulas prevista no artigo 9.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2010, de 23 de Junho.
2 — Para os efeitos do disposto na presente portaria, entende-se por observação de aulas aquela que incide sobre o desempenho docente em contextos de ensino-aprendizagem através de efectiva interacção entre docente e criança ou aluno, incluindo as situações específicas dos professores bibliotecários e dos docentes de intervenção precoce, de apoio educativo, de educação especial e de Formação de adultos.


Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1 — O disposto na presente portaria aplica-se aos docentes em licença sabática, em regime de equiparação a bolseiro a tempo inteiro e aos que se encontram no exercício de cargos ou funções fora do estabelecimento de educação ou de ensino e que, por esse motivo, não desenvolvem Interacção no âmbito do ensino -aprendizagem com crianças ou alunos.

Então a pergunta permanece: Os Relatores e Coordenadores para obtenção das menções qualitativas de Muito bom e Excelente necessitam de observação de aulas?

De acordo com o Decreto Regulamentar 2/2010, artigo 9º, ponto, artigo 9º os Relatores e Coordenadores terão de pedir observação de aulas para obtenção das referidas menções!

Em muitas escolas/A.E. os Relatores e Coordenadores consideraram que o artigo 28 º e 29 º do Decreto Regulamentar 2/2010 permitem a obtenção das menções qualitativas de Muito bom e Excelente sem necessitarem de observação de aulas?

De facto, estes dois artigos conjugados com o artigo 45º do ECD dão-nos a entender que os professores Relatores e Coordenadores não necessitarem de aulas observadas. Mas não nos dizem, de forma clara, precisa e concisa, se aos mesmos é permitida a obtenção das menções qualitativas de Muito bom e Excelente sem a observação de aulas que o artigo 9º determina. A questão que se nos se coloca: são ou não necessárias aulas observadas para os professores que pretendam ir para além do bom? O Ministério da Educação tem de clarificar esta questão e acabar com as dúvidas existentes!

O professor avaliado é obrigado a organizar um dossier individual durante o processo da Avaliação de Desempenho Docente?

Não, não é obrigado! O critério de apresentação ou não de um dossier individual do professor é da inteira responsabilidade do mesmo. O Artigo 17.º ponto 2 do Decreto Regulamentar 2/2010 é muito claro: A auto-avaliação é obrigatória e concretiza-se através da elaboração de um relatório a entregar ao relator em momento anterior ao preenchimento, por este, da proposta de ficha de avaliação global. Se analisarmos o despacho 14420/2101 de 15 de Setembro constatamos que: ponto 2 — O relatório de auto‑avaliação deve ser redigido de forma clara, sucinta e objectiva, não podendo exceder seis páginas A4.

Mas neste Relatório de Auto-avaliação o professor poderá, ainda, anexar documentos relevantes para a apreciação que não constem no seu processo individual?

Sim! Pode anexar documentos que possibilitem mobilizar o mínimo de duas e o máximo de quatro evidências que contribuam, segundo o despacho 14420/2101 de 15 de Setembro, para a sua avaliação de desempenho. Mas o que o professor não pode, em nenhuma circunstância, é exceder a seis pais A4 que o mesmo despacho lhe impõe.


Os Professores que reúnam condições para a aposentação devem ser avaliados?

Não! Todos os docentes que solicitaram a respectiva aposentação não necessitam de ser avaliados, segundo o Artigo 12.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009 de 5 de Janeiro. Mas, devem apresentar um requerimento neste sentido ao presidente do conselho executivo ou director, para serem dispensados da respectiva avaliação.

A avaliação de desempenho docente pressupõe, de acordo com o Decreto Regulamentar 2/2010 e o Decreto-lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, a existência de um quadro de referência externo e interno que dão sustentabilidade à mesma. Como proceder no caso onde este quadro de referências não existe ou não está totalmente assegurado?

É verdade! A nível externo deveremos ter como referências as Metas de Aprendizagem para o Ensino Básico; a nível interno deveremos ter como referencial de avaliação os Objectivos e metas fixados: no Projecto Educativo de Escola; no Plano Plurianual de Actividades; no Projecto Curricular de Escola e, por fim, no Projecto Curricular de Turma. A pergunta é correcta: como proceder nos casos em que estes referenciais não estão assegurados?

Carlos Jorge

quinta-feira, abril 30, 2009

“Conta-me como foi”: o estatuto do aluno.

Era o alvorecer de uma nova década. Eu teria pouco mais de 15 anos, e o alvorecer mais importante das últimas décadas estava ainda na incubadora da história e nas contradições e tensões sociais que, então, se viviam. A escola que frequentava era mista. O edifício era um ícone da tipologia que caracterizava as construções do Estado Novo; a gestão e administração escolar não fugiam ao controle severo da ideologia que sustentava o regime: era o tempo do Estado Novo e do Director Escolar!

A escola: entrávamos na porta principal do edifício e, de imediato, ingressávamos num enorme hall, que demarcava as possibilidades de circulação no seu interior e que, por sua vez, impedia o acesso a dois corredores que permitiam a circulação pelos três pisos existentes: pelo corredor do lado direito estavam autorizadas a circular as raparigas; o do lado esquerdo destinava-se à circulação dos rapazes mas, logo que nele se entrava, deparávamo-nos com um bengaleiro, que era uti­lizado por ambos. O espaço ocupado pelo bengaleiro era um dos três locais onde rapa­zes e raparigas se encontravam; os outros dois, eram o bar e a cantina. Cruzávamo-nos esporadicamente nalguns corredores.

Vestíamos calças com boca-de-sino, camisolas de gola alta e camisas muito justas ao corpo; calçávamos sapatos com saltos e solas que chegavam, nalguns casos, a atingir os 2 cm de altura. Os rapazes usavam os cabelos muito compridos e as raparigas curtíssi­mas minisaias e shorts. Em algumas escolas, os Directores mandavam/obri­ga­vam os jovens guedelhudos a cortar o cabelo; as raparigas a cobrirem, com as batas brancas, que, no caso da minha escola, eram de uso obrigatório, as pernas desnudadas.

Recordo os tempos em que uma professora de contabilidade mandava as raparigas à casa de banho lavar a cara pelo facto de terem aplicado um pouco de rímel nos olhos, base na cara ou batom nos lábios. Recordo que a mesma professora chamava algumas das suas alunas, mandava-as subir para um estrado e voltar-se para as colegas, para, em seguida, as questionar e criticar por as ter visto de mão dada com um rapaz, em muitos casos, também aluno da escola, nas proximidades da entrada principal ou perto da escola. Não esqueço aquele momento em que eu, o Zé e o Zambujal (alcunha porque era tratado por ser dessa localidade) acordámos encarar a nossa professora de contabilidade, entre outras razões, pelo facto, de não consentir que saíssemos no intervalo das suas aulas, que eram, sempre, de dois tempos seguidos, nem autorizar deslocações à casa de banho, fosse por que razão fosse, desde que tivéssemos entrado na aula: o Zambujal foi o primeiro a levantar-se e a pedir autorização para se deslocar à casa de banho, e a resposta não se fez esperar: sabes que não! O Zé, assim que a professora disse que não ao Zambujal, levantou-se e, com firmeza e coragem, que não disfarçavam o receio, pediu autorização para ir à casa de banho. Não ouviste o que disse ao teu colega, retorquiu a professora. Foi num ápice que me levantei e com uma terrível e sufocante aflição pedi licença para ir à casa de banho. O estrondo do silêncio absoluto fez-se sentir na sala. Por pouco não fiz ali o que pretendia fazer na casa de banho. Tremia como varas verdes, como jamais havia tremido! Naqueles prolongadíssimos minutos, que pareciam horas, mantive-me de pé. A professora, pelo que sabíamos, jamais tinha sido confrontada: era uma mulher assustadora, antipática, e detestada pelo(a)s aluno(a)s, disse: estão combinados!

Antes da nossa subversiva acção, dialogámos sobre as possíveis consequências do nosso acto mas, mesmo com receio das implicações de tal afronta, decidimos avançar. Era uma época de contestação à tradição, à autoridade, um tempo de questionamento. Passámos a ter intervalo na aula de contabilidade e disciplinarmente nada nos aconteceu. Tivemos sorte!

Esta história que partilho com todos vós, em início do século XXI, pode parecer-vos ridícula. Alguns de vós tão-pouco imaginariam que tal pudesse ter ocorrido, mas, se conversarem com alguma(n)s d(a)os professor(a)es que foram estudantes nas escolas/liceus no início da década setenta do século XX, descobrirão, com ela(e)s, tantas outras estórias semelhantes à narrada ou, noutros casos, muito mais graves, como aqueles em que os jovens eram compulsivamente enviados para a guerra colonial pela simples razão de imaginarem a sociedade em que viviam de forma distinta da do Estado Novo. Nessa época, o ensino e educação estavam compartimentados nas escolas técnicas e nos liceus. As escolas técnicas tinham como objectivo formar quadros intermédios e os liceus os quadros superiores. Acontecia muitas vezes que os jovens fintavam o destino que a escola lhes conferia, tornando-se, os estudantes do ensino técnico, quadros superiores, e os de liceu, quadros intermédios. O destino pode ser sempre fintado desde que a tal estejamos dispostos.

Vivíamos na primavera Marcelista (designação usada para reflectir a onda de esperança, para alguns, suscitada pela política do então Presidente do Conselho Marcelo Caetano, na primeira fase do seu Governo (1968-1970); a ideia de uma escola (para todos) de massas emergia com a reforma proposta pelo então Ministro da Educação Prof. José Veiga Simão e que se consubstanciava em dois importantes documentos: o Projecto do Sistema Escolar e as Linhas Gerais da Reforma do Ensino Superior. A reforma de Veiga Simão tinha como pressuposto fundamental a harmonização das classes, a resolução de conflitos e tensões e, consequentemente, a distribuição de bens simbólicos que substituíssem a escassez dos bens económicos e facilitassem a mobilidade social (cf. Stoer, 1983).

O Estado Novo desenvolveu diversas políticas educativas desde a aprovação da constituição de 1933 (institucionalização da ditadura Salazarista): numa primeira fase, estas políticas, assentavam em diversas trilogias: uma inculcava a ideologia nacionalista, a designada trilogia da educação nacional - Deus, Pátria e Família; outra, que estabelecia a trilogia da autoridade – Pai, patrão e professor; e, por fim, a trilogia do próprio regime político que consagrava o autoritarismo, corporativismo e colonia­lis­mo. A Escola era a sagrada oficina das almas, inculcava a exaltação patriótica, a mitificação dos valores históricos e a supremacia da raça lusitana, a defesa dos valores da civilização cristã, a exaltação da disciplina, da obediência e do cumprimento do dever como condição necessária para o progresso e a defesa da pátria. A Escola prepa­rava para que os educandos tivessem a vontade forte e disciplinada. Numa segunda fase, a educação passou a assumir um papel mais ligado à economia.

O 25 de Abril: o PREC (Período Revolucionário em Curso)

No alvorecer do dia 25 de Abril de 1974, jovens capitães do M.F.A. (Movimento das Forças Armadas), derrubaram a ditadura e as portas que Abril abriu, como escreverá mais tarde o poeta José Carlos Ary dos Santos, permitiram que muitos dos nossos sonhos se realizassem e que outros despontassem como realizáveis, se a arte e o engenho, a vontade, a luta e a determinação tal possibilitassem.

Quando abrimos a porta de uma gaiola, que tem no seu interior um pássaro encarcerado, apercebemo-nos, de imediato, de que ele voa livremente mas de forma desordenada, buscando uma direcção para o seu livre esvoaçar. Foi o que aconteceu com o povo português nos tempos que se seguiram ao 25 de Abril. Procurámos, ainda hoje o fazemos, caminhos da liberdade que nos permitissem a melhoria quotidiana da nossa qualidade de vida.

Nesses tempos, discutia-se, ainda se discute, qual o melhor sistema educativo para superar o nosso atraso estrutural. Nestas discussões confrontavam-se – hoje ainda assim é – concepções ideológicas divergentes.

Os sistemas educativos não são estanques nem evoluem de forma repentina, isto é, não é possível fazer tábua rasa, ou seja, raspar tudo, não deixar traço de nada, e começar um novo sistema educativo ignorando tudo o que lhe antecedeu. Não é possível! Por isso, quando falo acerca dos sistemas educativos não faço mais do que apresentar, em síntese, as grandes linhas políticas/ideológicas/educativas/pedagógicas/etc., que caracterizam cada uma das suas concepções paradigmáticas. A dinâmica de evolução dos sistemas educativos (cf. Carneiro, 1994) pode, de forma simplificada, ser agrupada em quatro grandes grupos/força motriz: a educação orientada para a produção; a educação orientada para o consumo; a educação orientada para o cliente e, por fim, a educação orientada para a inovação.

A educação orientada para a produção especializava-se na formação de capital humano cuja característica principal era conceber o sistema educativo como uma fábrica de ensino que se assemelhava a uma linha de montagem. O Ministério da Educação detém o monopólio da formação: regula, fiscaliza, e certifica;
Na educação orientada para o consumo, a escola emerge como local onde se prepara para a vida adulta, como utopia organizacional, que satisfaz universalmente as aspirações sociais com base na gratuitidade do sistema público de educação. A escola é encarada como uma grande superfície, onde os seus consumidores vão procurar saciar as suas necessidades em matéria de educação. A escola democratiza-se e com ela surge a ilusão da democracia social;
A educação orientada para o cliente privilegia os seus vários clientes, inseridos na comunidade escolar, e o sistema tende a perder as suas funções centralizadoras, as negociações admitem itinerários individuais de formação; admite-se o cheque-educação, e tudo se joga no mercado livre da oferta e da procura. Small is beautiful.
Na educação orientada para a inovação, valem as alianças e as sinergias, sozinho nada se consegue; o trabalho de grupo e de projecto potencia e maximiza o contributo dos seus membros e configura novas tipologias organizacionais; não tolera hierarquias permanentes que se sustentam numa autoridade imposta; prima pela constante adaptação e pela interacção humana, é menos normativo, combate a exclusão e participa na edificação de uma cidadania social.

A tendência actual do sistema educativo português organiza-se, em grande medida, em torno de uma concepção de educação orientada para a inovação. O nosso sistema educativo é, no entanto, um produto híbrido que se tem vindo a construir com base nas diversas experiências educativas, tensões e conflitos que têm norteado as políticas educativas desde o 25 de Abril.

O passado e o presente em direcção ao futuro

Voltando à minha escola e à narrativa que acerca dela episodicamente construí, facilmente nos apercebemos dos dilemas, tensões e conflitos que eu e os jovens da minha geração vivemos. Não existiam telemóveis, computadores, ifones, ipods e internet, redes sociais, como é o caso do hi5, MySpace, Twitter, Facebook e tantas outras coisas que nos permitem imaginar que habitamos o mesmo sistema solar mas em planetas diferentes. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a Convenção sobre os Direitos da Criança, existiam há muito, mas não eram aplicados nem respeitados pelo Estado Novo. Os valores e os princípios fundamentais inscritos na Constituição da República Portuguesa consagram todos os Direitos, Declarações e Convenções internacionais, relativos à defesa dos direitos humanos. Vivemos em democracia! E em democracia procuraremos as respostas para os nossos problemas. A escola actual – do Portugal democrático – enferma de muitos vícios/males, mas não se pode arrogar o direito de ser a sagrada oficina das almas, de exaltar à disciplina e à obediência como condição necessária para o cumprimento do dever e como condição necessária para o progresso e defesa da pátria. A Escola não pode pro(im)por um menu único ou um ilusório fato à medida.

É neste contexto que se torna importante o regulamento interno das escolas e o estatuto do aluno, pelo facto de estes consagrarem um conjunto de deveres e direitos que tornam exequível o acto educativo, porque facilitam as nossas interacções pessoais e, consequentemente, o respeito mútuo. O estatuto do aluno deve ser concebido com uma preocupação central: ser facilitador do acto educativo. Deve, por isso, construir pontes de entendimento entre os diversos intervenientes (professores, alunos, funcionário de acção educativa, pais/encarregados de educação, entre outros) capazes de, em contextos de aprendizagem inovadores, proporcionarem o desenvolvimento de uma formação de excelência às futuras gerações. No actual momento, estão garantidos o acesso e sucesso educativo (mesmo sendo, este último, em muitos casos, administrativo). Devem, por isso, ser regulados em estatuto próprio (regulamento interno e estatuto do aluno), entre outros, os usos que fazemos das novas tecnologias da informação sempre que consideremos que o seu uso (individual) é inadequado e prejudicial ao interesse geral, isto é, a utilização dos meios informáticos são instrumentos fundamentais de aprendizagem, não devendo o seu mau uso ser inibidor dessas mesmas aprendizagens. Alguns exemplos: proibição de uso de telemóvel, ipods e outros aparelhos afins fora dos locais previamente destinados (ex: sala de professores, de directores de turma e PBX, sala dos estudantes, sala dos funcionários). Fora das aulas (admito a utilização nas aulas dos telefones, ipods e outros meios informáticos sempre que um professor o considere vantajoso, para a leccionação de um dos seus conteúdos programáticos), e nos locais supra referenciados deverá ser permitido o seu uso (ex: biblioteca e pátios), somente com auriculares e (unicamente) nos locais previamente assinalados (poder-se-á utilizar dísticos indicativos dos locais onde podem ser utilizados).

A (nossa) qualidade de vida melhora sempre que se conseguem avanços na ciência; em cada um dos momentos em que conseguimos, com a ajuda dos outros, ultrapassar os obstáculos com que nos deparamos no quotidiano das nossas vidas pessoais, profissionais e académica; quando somos capazes de regular, em nome do interesse geral, o direito individual de uso de bens materiais que a ciência nos disponibiliza ou, por motivos das nossas opções de vida, a eles aderimos (ex: fumar).

Com este texto não tenho a pretensão de propor a edificação de um mundo perfeito e/ou a construção de um homem novo. A escola deve educar os indivíduos no sentido de que sejam estes a fazer as suas opções de vida de forma responsável; não pode substituir-se às responsabilidades que cabem às famílias, pais/encarregados de educação. A educação escolar não acompanha nem reproduz a educação que cada família considera a mais adequada para os seus filhos. Ela é complementar da educação familiar, por vezes, antagónica e, em alguns casos, a única que lhes é proporcionada! A educação escolar, por tudo o que fica dito, tem de fornecer instrumentos capazes de preparem as futuras gerações o melhor possível. A educação escolar tem de ser excelente! Não é fácil, sabemo-lo, mas é possível: sim, nós conseguiremos!


Carneiro, R. (1994). A Dinâmica de Evolução dos Sistemas Educativos in C.E. e Socie­dade, nº 6, pp. 13-59.
Stoer, S. R. (1983). A reforma de Veiga Simão no ensino:projecto de desenvolvimento so­cial ou «disfarce humanista»? Análise Social, vol. XIX (77-78-79), 3.°, 4.° 5.°, 793-822.

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