quinta-feira, abril 30, 2009

Os riscos de má utilização do projecto: problematizando-os



Recebi o nº 1 do Jornal Etc. e foi com grande satisfação que constatei a qualidade/quantidade de informação que nos disponibiliza, assim como a qualidade gráfica do mesmo. Outra coisa não seria de esperar se observarmos que um dos seus promotores é, sem estar a ser excessivo, um dos mais criativos professores que a (nossa) escola pode regozijar-se de ter nos seus quadros. É de muito boa qualidade a maioria dos textos que o compõem! Mas, de entre todos, gostaria de referir-me ao artigo assinado por Maria Helena Padrão.

Este texto está bem escrito; metodologicamente, bem organizado e, sobretudo, problematiza o vocábulo projecto, a que o texto faz alusão, de forma teórica assaz irrepreensível. Não seria, pois, de esperar outra coisa de Maria Helena Padrão. Então, sendo assim, que razões subsistem para me referir a este texto?

Admito, como necessário, ir mais além para compreender a problemática a que o projecto e, sobretudo, o Projecto Educativo (a seguir designado p/PEE) nos remetem.

Considero absolutamente desnecessário repetir uma série de características teóricas que subjazem ao projecto por uma economia de espaço e porque Maria Helena Padrão, como já referi, o faz, e muito bem, no seu texto. Interessa-me, antes, abordar os riscos de má utilização do projecto com o objectivo muito claro de reflectirmos acerca dos que são boas práticas.

Que riscos de má utilização poderemos encontrar na utilização/construção de um p/PEE em muitos dos nossos estabelecimentos de ensino?

Poderemos identificar, senão se tomarem as devidas precauções, cinco riscos (cf. Barroso, J. 1992):
a) Projecto sem projecto - aquele em que o p/PEE não é mais do que o resumo de um plano de actividades, logo, sem problematização preliminar, e sem a consequente defini­ção de objectivos, políticas e estratégias;
b) Projecto por decreto – o que é pró(im)posto pelos serviços centrais do Ministério da Educação e que as escolas perfilham burocraticamente, não se reflectindo, todavia, na (necessária) transformação interna e, por isso, não despontar como um verdadeiro projecto;
c) Projecto mosaico – que tem a pretensão de transformar uma acumulação de projectos sectoriais de grupos/departamentos num projecto global;
d) Projecto ghetto – que se caracteriza pela marginalidade das suas actividades, em relação ao funcionamento global da escola, de circunscrição reduzida e periférica, relativamente ao núcleo duro da organização da escola;
e) Projecto devaneio – um projecto que assenta em intenções vagas que não remetem para qualquer tipo de operacionalização.

Poderemos, pois, encontrar em muitas das nossas escolas p/PEE que se configu­ram/or­ganizam em torno de qualquer um dos modelos discutidos ou, ainda, num compósito de alguns deles. Pelo que fica dito, o p/PEE não pode ser admitido como se de um texto canónico se tratasse, como se ele pudesse reflectir um ideal comum, mas, antes, como um texto com muitas incompletudes que necessitam, por isso, que, com ele, se estabe­leça a neces­sá­ria dialogicidade, no sentido de facilitar a sua permanente actualiza­ção/opera­ciona­li­zação.

Quando num p/PEE se aceita a canonicidade do (seu) texto, estamos a admitir que um(a) qualquer Director(a) Regional de Educação por mera hipótese de trabalho, porque sabemos que estes órgãos são dirigidos por pessoas intelectual e culturalmente incapazes de tal desiderato!) possa obrigar a que se cumpra o que nele está escrito. Na minha segunda hipótese, admito a necessidade de dialogar com o p/PEE, i.e., o texto do p/PEE não é um documento fechado e, por isso, está sujeito a que os órgãos competentes da escola, nomeadamente o Conselho Pedagógico, e somente estes, decidam acerca dele. Neste sentido, sustento que o p/PEE não deve arrogar-se o direito de controlar o universo das acções que se desenvolvem no contexto escolar, não devemos concebê-lo na forma da alienação de cada um em prol do bem de todos, porque isto não só iria contra a liberdade pedagógica responsável, nomeadamente dos professores/grupos/departamentos, como também dos indivíduos enquanto entidades. (cf. B. & Cross, 1992). A história está cheia de (maus) exemplos de obediência cega aos ditames pró(im)postos! É claro que é mais difícil gerir o p/PEE como acto de gestão que convoca os órgãos competentes da escola, nomeadamente o Conselho Pedagógico, para reflectirem sobre as incompletudes do p/PEE e, consequentemente, definirem e decidirem os trajectos organizativos da acção. Mas é de certeza, desta forma, que se negam as peripécias administrativas e burocratizantes que se cumprem de acordo com normas preestabelecidas.

O p/PEE deve ser um meio mobilizador de vontades, [deve] incumbindo-lhe assim procurar, quotidianamente, ganhar novos adeptos. Não sustento, porque já perdi a ingenuidade, há algum tempo, de que toda a comunidade escolar e os diversos interesses que a constituem se revejam no (seu) p/PEE. Admito, por isso, que não se pode margina­li­zar/igno­rar os que nele não se revêem; pelo contrário, defendo que se torna necessário agenciar no sentido de acolher as suas contribuições, integrando-as, sempre que possível.

Em síntese, o p/PEE é um texto aberto cuja potencialidade reside na sua capacidade de combinar a atracção pelo futuro e a acção no presente. A primeira convoca-nos para a definição de futuros possíveis, enquanto a segunda nos remete para a necessidade de diag­nosticar/interrogar o presente, de identificar as tensões/constrangimentos, os recursos disponíveis e, consequentemente, definir objectivos e estratégias da acção. Aos órgãos competentes da escola, nomeadamente ao Conselho Pedagógico, e só a estes, cabe a gestão quotidiana do p/PEE. A accountability das escolas melhora, em geral, quando o seu p/PEE é um texto aberto e se decide, em resultado do diálogo, que é o motor da acção, o processo construtor da inovação.




Broch, M., & Cross, F. (1992). O Projecto de Escola Prisioneiro dos Métodos? Os Paradigmas Metedológicos ligados ao Projecto de Escolas in Canário R. (Org. Inovação e Projecto de Escola, pp. 143-163. Lisboa: Ed. Educa.
J., B. ( (1992) ). Fazer da escola um Projecto in Canário, R. (Org.) (1992). Inovação e Projecto Educativo de Escola, pp. 28-56. Lisboa: Ed Educar.

domingo, novembro 11, 2007

Uma pesquisa (Im) Profícua


 

Assim que chego à Biblioteca Nacional (B.N.) entrego no respectivo balcão (algumas) as requisições de leitura com a menção dos documentos que pretendo pesquisar, em seguida dirijo-me ao bar da biblioteca para comer qualquer coisa. Acontece sempre isto nos dias em que venho directamente do Porto para a B.N. para trabalhar. Sempre que saiu do Porto às nove horas da manhã chego á B.N. por volta das 14 horas. Este dia, não foi por isso, diferente dos demais. Tinha chegado de uma aborrecida e longa viagem com inicio na velha e mui nobre cidade do Porto.

Nos restantes dias chego à B.N. por volta das 9,30, 10 horas e inicio de imediato o meu trabalho de pesquisa.


 

Confirmei as cotas dos livros que foram deixados na minha mesa de trabalho, normalmente (sempre!) a I 16.


 

As encadernações estavam muito danificadas. As encadernações continham colecções de jornais do ano de 1870.


 

Tenho um prazer desconcertante na leitura destes jornais. Por vezes, dou por mim a ler coisas que nada tem a ver com o meu objecto de investigação. Tenho que me auto-disciplinar constantemente, porque constantemente me indisciplino. E que boa é esta indisciplina.


 

O resultado da pesquisa, deste dia, mostrava-se muito produtivo. Os volumes que estavam na minha mesa e que já tinham sido pesquisados, tinham algumas marcas de papel que me permitiam localizar muitas das suas páginas que me interessavam para serem fotocopiadas.


 

Estava satisfeito! Um dia de trabalho, que normalmente se prolonga por cinco horas, com resultados muito satisfatórios. Por volta das seis horas da tarde perguntei a uma das funcionárias de apoio à sala se poderia deixar as marcas nos respectivos livros. Informei-a que no dia seguinte estaria novamente na biblioteca. Chegaria por volta das 9,30 horas para reiniciar o meu trabalho. Fique descansado! Os livros à manhã estarão aqui à sua espera com as respectivas marcações, disse-me. Que bom, pensei, poderei aproveitar para continuar a pesquisar os livros que me faltam e amanhã logo que chegue tirarei as fotocópias das páginas marcadas.


 

Sai da biblioteca, depois de certa de cinco horas de trabalho, satisfeito. Dias existem que nada encontro. Já me acontecer estar oito horas na B.N. e nada encontrar de significativamente relevante para o meu objecto de estudo. Este era um bom dia, com excelentes resultados para o meu trabalho de investigação.


 

No dia seguinte chegue cedo à biblioteca. Talvez fosse nove horas, nove e meia. Não sei. Sei que era cedo. Entregue as requisições de leitura, com as mesmas cotas do dia anterior. Qual é o meu espanto, quando verifico que os livros estavam sem as marcas que eu lhes havia deixado. Com era possível? O que aconteceu? Quem retirou as minhas marcas? Cinco horas de trabalho perdidas. Reclamei…

Iniciei tudo de novo.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Gentes…


.........................................Sociedade Oitocentista

Contrastes e Continuidades de FLM

Fernando Luís Machado (FLM) em "Contraste e continuidades – Migração. Etnicidade e Integração dos Guineenses em Portugal" analisa, discute, constrói e desenvolve um conjunto de conceitos que se referem, de uma forma transversal, à problemática da etnicidade, da emigração e integração nas suas vertentes mais globais. Isto é, FLM, nesta sua investigação acerca das comunidades Guineenses em Portugal, discute outras realidades étnicas. Desta forma, FLM converte o seu trabalho de investigação num instrumento imprescindível para todos aqueles que investigam as relações interculturais.


O que discute FLM?


FLM discute/aborda, neste seu trabalho: O conceito de gueto, introduzido por Louis Wieth nos EUA, nos anos 20 do século XX; a redes de sociabilidade que se desenvolvem em torno de interacções fortes ou fracas; o conceito de integração que é discutido em três linhas distintas, como refere: uma que é parte das formulações durkheimianas originais (A Divisão Social do Trabalho e O Suicídio); outra que se constrói em contraposição ao conceito de exclusão; a terceira que é resultante do entendimento particular que do conceito têm as correntes multiculturalistas.


FLM analisa/discute: diferenciação e clivagens internas nas populações minoritárias; direitos étnicos e desigualdades entre sexos; temperamento universalista e temperamento diferenciaslista; negros com origens sociais muito diversas; contrastes socioeconómicos; etnicidade forte; minorias eternamente diferenciadas; mapa global de heterogeneidade étnica; desigualdades sociais; classe social e etnicidade; terceiros mundos interiores; a sociedade aberta e complexa; a pobreza e concentração residencial que coincidem, não significando necessariamente exclusão, assim como a dispersão residencial não significam necessariamente integração; existem graus variáveis de integração e coesão; a religião e a língua como factor de diferenciação; a forma como se inscreve na sociedade portuguesa o lado social da etnicidade; os casamentos católicos e convicções religiosas; as fronteiras entre operários e trabalhadores terciários; a distinção conceptual entre opressão económica e exploração; as classes enquanto categorias sociais; contornos de classe; o social e o cultural na definição da etnicidade; a integração é dependente do lugar de classe; o racismo institucionalizado; a complexidade das formações culturais é reduzida ao folclore; a tolerância enquanto factor de controlo cultural; o racismo e o anti-racismo; que não há racismo, mas racismos; a sociedade receptora e as minorias; as associações de cariz assistencialista; etc., etc., etc.


Com esta sua investigação, FLM dá um contributo imprescindível, para um melhor entendimento da etnicidade das populações minoritárias existentes em Portugal, quer sejam elas migrantes ou não.

tradutor