sábado, maio 12, 2007

Projecto de Doutoramento - Especialidade em Relações Interculturais

O que se investiga?

Pretende-se investigar as práticas (re)elaboradas quotidianamente por cada individuo/família/comunidade no sentido de captar as dinâmicas das suas próprias trajectórias pessoais/sociais.

Para construir uma narrativa que reflicta a realidade social e, consequentemente as experiencias pessoais e sociais dos sujeitos e de sua família/comunidade proponho investigar os percursos de vida de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e de António Maia, respectivamente avô, filha e neto. As narrativas de vida de Manuel Botas, de Maria da Conceição Botas e de António Maia permitirão conhecer:

a) as redes de sociabilidade intra(inter)étnicas;

b) as suas trajectórias escolares e profissionais;

c) a diversidade dos seus universos simbólicos;

d) os referentes culturais que circulavam no interior de uma família/comunidade/etnia.


  • Título/Pergunta de Partida
  • "Que tipo de dinâmicas sociais e de estratégias identitárias configuraram as relações inter-étnicas entre a comunidade cigana e a restante sociedade portuguesa desde o final do século XIX até meados do século XX?"


Questões Complementares

I. Dinâmicas Intra-comunitárias

  • Casamento

    O casamento é regulado por práticas comunitárias que assentam numa organização social previsível, coerente e fortemente hierarquizada. Para que o noivado se ultime, existe um conjunto de procedimentos morais assentes em três aspectos nucleares: o pedimento/aceitação; comportamento/honra; honra/vergonha.

    Quais são os factores de eleição e formação de parelha ou cônjuge? Qual a importância da mediação que é exercido pela ajuntaora? Que tipo de legitimação lhe é conferido pelas famílias/comunidades? O género, o corpo, a mulher, a maternidade são categorias discursivas que nos ajudam a interpretar a representação de uma série de ideias sociais construídas em seu torno. Como se manifestam estas representações nesta família/comunidade?

  • (Im)Puro

    A pureza, a virgindade, a desonra, a vergonha, a latcha, o código de honra, o respeito, entre outros conceitos, estão impregnados de valores morais que não persistem sem os juízos que lhe dão significado. A moralidade que se expressa na virgindade emerge como algo verdadeiramente fundamental na família e na comunidade de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia. De facto, o único impedimento feminino para se casar era (é) a sua "honra" que se expressa na virgindade feminina. A união social, que se realiza através do casamento, de acordo com a lei cigana, só (é) era possível com a prova de virgindade feminina, realizada pela ajuntaora. A virgindade feminina manifesta-se como um elo de coesão social na relação entre famílias, e apresenta-se como um valor central na família e comunidade. A impureza emerge de acontecimentos que se opõem às regras estabelecidas pela lei cigana. O impuro torna-se objecto de interdições.

    Na família/comunidade de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia o impuro torna-se objecto de interdições com consequências para o próprio indivíduo, para a sua família e comunidade?

    Como se manifesta este tabu e quem são as principais vítimas /intervenientes?

  • Morte e Luto

    A viuvez transmuta o estatuto social do cônjuge do morto para o resto da sua vida. Com o falecimento de António Maia, a viúva vestiu uma touca branca que usou durante um ano sem nunca a lavar, rapou o cabelo que colocou dentro do caixão do seu marido e nunca mais o deixou crescer. Usou o cabelo rapado, até ao final da sua vida.

    O culto dos mortos é um facto constatado na família/comunidade de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia. A perda física de um ente querido não é acompanhada da sua perda espiritual. A crença na existência continuada da sua alma, (que
    esteja em descanso) é demonstrativa da dependência que continua a existir entre os vivos e os mortos. Está simplesmente de baixo da terra em descanso. Os antepassados continuam a estar presentes na vida dos seus descendentes nas mais diferentes formas.

    A história da morte é parte inegável da história social das mentalidades. Não é, por isso, ahistórica.

    A forma como se lida com a morte varia de cultura para cultura. Não existem padrões universais para compreender o significado da morte e o que ela representa para cada povo, comunidade e família; no entanto, a morte envolve sempre rituais, crenças, afectos, dor, choro, modos de vestir, sistemas fúnebres, entre outros aspectos relevantes, que, de uma forma ou de outra, se manifestam nas diferentes culturas.

    Qual é o significado simbólico e social da morte na família/comunidade de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia? As cerimónias fúnebres proporcionam a possibilidade de configurar consciências e modelos de comportamento a seguir? Que contributo poderá emergir do estudo e compreensão dos rituais fúnebres desta família/comunidade para a edificação dos seus próprios referentes culturais?

  • Jazigo de Família, um Arquivo Histórico

    Com a emergência dos cemitérios, a arquitectura da morte retrata não só as afinidades que os indivíduos têm com a morte mas identicamente a relação com a sociedade de onde os indivíduos provêm. Estes novos espaços servem não só como espaços habitacionais para descanso eterno dos indivíduos como também são utilizados para demonstrar a riqueza, o estatuto económico e social dos indivíduos, das famílias e das respectivas comunidades. São espaços de vivências culturais, de encontro e recordação, mas são também espaços de informação para gerações futuras.

    Poderá o jazigo de família de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia tornar-se num arquivo histórico, num espaço de informação possibilitador de demandas diversas?

  • Relações Inter-étnicas

    As relações/dinâmicas sociais e culturais desenvolvidas entre as comunidades ciganas e a restante sociedade portuguesa tornam claro a existência de crenças históricas e/ou especificidades culturais diferentes que se manifestam na vida quotidiana, em momentos especiais ou em ambas as situações. Estas relações podem ser assimétricas, o acesso aos recursos desigual e resultante do poder de cada comunidade.

    Que oportunidades de acesso aos recursos e que tipo de relações construíram/desenvolveram Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia no interior da sua família/grupo/comunidade e a restante comunidade/sociedade portuguesa?

  • . Homens de respeito, tios entre os tios

    Na família e comunidade de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia existe um grupo geracional que goza do máximo estatuto entre os grupos de idade, são os tios. Este grupo é constituído por pessoas com a máxima autoridade no interior da família e da comunidade; são líderes naturais, mediadores de conflitos, administradores da justiça, da lei.

  • Quem são os líderes naturais? Na família de Manuel António Botas, Maria da Conceição Botas e António Maia a mediação contribui para a formação dos indivíduos, das famílias, das comunidades? É um veículo de convivência inter(intra)pessoal/grupal? Contribui para a gestão e administração da justiça?


quarta-feira, abril 18, 2007

Comunicação efectuada no 4º encontro.

  • ResumoEsta comunicação centra-se na importância que assume “A Gestão e Administração Escolar em contextos Educativos Interculturais” no combate à discriminação e na construção de políticas institucionais que reconheçam as diferenças existentes na escola. A educação intercultural deve ser entendida como um espaço de aprendizagem, de desenvolvimento de valores, de reflexão que promova transformações sociais e mudanças de modos e maneiras de pensar e actuar dos diferentes intervenientes. A importância dos educadores de infância, dos professores e dos Conselhos Executivos: as suas decisões, os seus comportamentos e atitudes, adquirem uma grande relevância em contextos de educação intercultural. Pretende demonstrar que é através de políticas positivas de integração que se fomentará a incorporação activa de distintas diferenças.
O Espaço Social como partilha de “outros mundos”

O espaço social é apercebido, cada vez mais, como um arco-íris cultural, “nele se manifesta uma estrutura de ocupação étnica relativamente forte com toda uma gama de comércios, mercados, restaurantes, igrejas ou outros locais de culto, clubes, associações, escolas, imprensa, emissoras de rádio, locais de encontro e de reunião.” Estes espaços sociais são autênticos nichos ecológicos. Aqui os organismos (as pessoas) dependem do espaço onde vivem e do que fazem: os comportamentos, as energias transmutadas, o meio físico e biológico transformam-se em consequência das interacções multiétnicas/culturais que se estabelecem/desenvolvem. O (re)conhecimento de “outros mundos” da alteridade não é neste espaço social, nestes nichos ecológicos, referenciados por Maria Engrácia Leandro, obscurecido: “com toda esta rede de serviços desenvolve-se uma importante teia de relações sociais de origem étnica, que tendem a persistir e a afirmar-se no contexto altamente urbanizado em que se inserem”.
[1] Existe aqui um patamar mínimo de convergência entre “nós” e os “outros”, que num processo de assimilação progressiva e comum diluem alteridades, como condição necessária para comunicação entre comunidades distintas, fazendo emergir novas maleabilidades entre fronteiras que possibilitam novos horizontes de interpretação e a construção de intersubjectividades compartilhadas. O entrelaçamento de horizontes de compreensão desenvolve-se num contexto relacional que se define na convergência entre as “nossas” perspectivas e da “deles” (Leandro, s.d.:291).

No espaço social existe um patamar mínimo de convergência entre “nós” e os “outros”, desenvolvem-se relações sociais de tipo étnico, cultural, religioso, etc. E nos contextos educativos que tipos de relações se constroem? Como se relacionam as diferenças religiosas, étnicas, sexuais, culturais e psicofísicas nos contextos educativos?

A educação intercultural

A interculturalidade baseie-se no reconhecimento das diferenças culturais existentes numa sociedade e propõe como critério de articulação institucional precisamente a comunicação entre culturas (cf. Lobera, 2004). É, por isso, necessário romper a barreira entre a forma e o conteúdo dos procedimentos educativos. A incipiente multiculturalidade e a pretendida Interculturalidade fazem com que os professores e membros dos conselhos executivos se questionem cada vez mais acerca das acrescidas responsabilidades que tem adquirido e das respostas que devem dar, tanto ao nível pessoal como profissional, às constantes transmutações sócio-educativas-culturais que a sociedade e escola portuguesa tem desenvolvido nas ultimas décadas.

As mudanças caracterizam-se por fortes contradições e paradoxos, entre: 1) a necessidade de nos relacionarmos num contexto cada vez mais multicultural e heterogéneo frente à pretensão homogeneizadora e incerteza acerca da própria identidade; 2) a eliminação das barreiras espaciais na comunicação frente a um perigo cada vez mais grave de isolamento e exclusão social; 3) a dificuldade para compreender o que sucede frente à grande quantidade de informação disponível; 4) a ausência de certezas absolutas frente ao ressurgimento de formas de intolerância que se pensavam superadas. (cf Agudo, 2003)

León Olivé, refere que o facto de membros de diferentes comunidades epistémicas ou culturas viverem em mundos diferentes, incluso incomensuráveis, não significa que não possam estabelecer processos comunicativos mediante os quais os membros de cada comunidade aprendem a linguagem da outra e compreendam as categorias com que os outros conceptualizam o seu mundo. (1999:151)
[1] Maria Engrácia Leandro (s.d) op. cit. p. 291
(...)
É a necessidade de realizar transformações vertiginosas que exigem inovações educativas de similar envergadura. Os professores são os que reúnem melhores condições para construir respostas aos problemas aqui referenciados. Mas, muitos educadores de infância e professores convertem-se em Pigmaliões modelando os alunos para que estes se acomodem ao currículo pro(im)posto, como se estes fossem esculturas que se moldam conforme as expectativas que os educadores de infância e os professores construíram para adaptar o ensino à diversidade dos alunos da maneira mais eficaz. Por isso, fazer referências às capacidades dos educadores de infância e dos professores sem as enquadrar na sua actividade, como um todo que é a escola, e na sua organização é romantismo insignificante que não coopera, como se deseja, para a necessária e exigível transformação da cultura escolar. Cabe, por isso, aos Conselhos Executivos projectar as suas actividades de forma a:

a) tornar possível a comunicação entre todos os intervenientes no processo educativo;
b) desenvolver procedimentos que permitam uma adequada gestão dos conflitos;
c) contribui para a edificação de valores que permitam a emergência de uma cultura democrática na escola;
d) que as trocas sociais assentem em desempenhos sempre que possível contratualizados;
e) que os empenhamentos se traduzam em manifestações de sentido efectivo, de confiança e cidadania;
f) que a liderança seja competente e transformacional;
g) que da motivação emane desafios, entusiasmo e possibilidade de construção de alternativas;
h) que as estratégias as desenvolver assente na capacidade de negociação;
i) a que percepção de justiça assente no respeito e na equidade;
j) a satisfação, enquanto componente cognitiva e afectiva, responda às necessidades sociais de auto-estima e de realização;
k) que as tácticas de influência/poder assentem na persuasão racional e na capacidade de “conquista” motivacional;
l) que as tomadas de decisões seja racional, assente na auscultação e não sejam fruto de (re)sentimentos pessoais.

Estes pressupostos de comportamento organizacional são facilitadores da emergência de um novo paradigma organizacional focalizado em três níveis de “sentido”: a) o subjectivo (intraindividual); b) o partilhado (interindividual) c) e o objectivo (assente nas convenções de uma dada cultura) (cf. Gomes, 2000: 191).
(...)
Esta concepção paradigmática de gestão e administração escolar, aqui referenciada, poderá contribuir de forma (mais) adequada para:

a) A luta contra a exclusão e consequente adaptação da educação à diversidade dos alunos, garantido a igualdade de oportunidades e a aquisição das competências necessárias para que este se integre activamente num mundo em constate transformação. Reconhecer e aceitar a diversidade é contribuir para o desmoronamento das práticas hegemónicas assentes na homogeneidade.
b) Respeitar o direito à própria identidade fazendo-a compatível com o princípio da igualdade de oportunidades o que implica profundas transformações no sistema escolar;
c) Avançar no respeito dos direitos humanos implica interpretar tanto a necessidade da própria educação intercultural como os seus limites. A educação intercultural não pode ser cega às graves violações dos direitos humanos que por vezes se comentem em nome das tradições culturais.

Em síntese: a cultura é um sistema complexo e em constante movimento. É um constructo humano. É construída pela totalidade das produções humanas, determinam a vida, os estilos de vida dentro de um grupo social. Não depende de um sujeito concreto mas sim da totalidade dos seus membros. É uma criação histórico-social de uma comunidade que tende a preservar, em nome da tradição, a sua identidade cultural;

A identidade é um fenómeno que emerge da dialéctica entre um indivíduo e a sociedade. É, por isso, um produto social. Os rasgos culturais que definem um grupo não são tanto as diferenças objectivas, mas sim aquelas que os autores consideram significativas;

As transformações sociais/económicas/políticas/ambientais vertiginosas exigem inovações educativas de similar envergadura, razão pela qual, uma nova concepção paradigmática de gestão e administração escolar, poderá ser facilitadora de novas demandas educativas.



Dissertar acerca da educação Intercultural

A interculturalidade emerge quando num contexto multicultural se efectuam trocas, se produz convivência, interacção, intercâmbios, reconhecimentos e aceitação dos valores e modos de vida dos outros.

A interculturalidade bem entendida não é: um ideal pedagógico baseado em actividades desconectadas do currículo; não é um conjunto de actividades exclusivamente dirigidas aos grupos minoritários – educação compensatória; não pode ser abordada em exclusivo em determinadas áreas curriculares; não deve ser desenvolvida somente em escolas com grade quantidade de imigrantes.

A educação intercultural é, por isso: actividade transversal que deve estar presente no conjunto do processo educativo; não é um programa paralelo mas algo que se deve integrar na totalidade das actividades escolares.

O direito à diferença é um dos aspectos que sustenta a ideia de interculturalidade. A escola é um espaço de vivência, de encontros entre diversos modelos culturais, local que reúne todas as características para o desenvolvimento de uma sólida competência cultural e convivência que permita a todos os membros de uma sociedade um funcionamento o mais adequadamente possível. Todos os alunos integrados no sistema educativo, estarão igualmente integrados na educação intercultural porque esta é para todos os alunos, independentemente da sua origem ou pertença a um grupo determinado.

Porque a educação intercultural constrói espaços de aprendizagens que remetem para o respeito e tolerância por outras formas de entender a vida, valorizando aspectos de outras culturas. Fomenta o enriquecimento pessoal e cultural com elementos de outros modelos culturais. Desenvolve procedimentos de empatia com outras culturas, não significando isto, total aprovação desses (outros) elementos culturais. Evita expressões estereotipadas acerca dos outros. Potencia o sentido crítico acerca da própria cultura e da dos outros. Identifica-se com a sua própria comunidade cultural sem se submeter acriticamente a ela.

(...)

tradutor