Contributo para entender a tendência que algumas figuras políticas e/ou movimentos da direita que tendem a igualizar a extrema-esquerda à extrema-direita - ou de tratá-las como dois lados igualmente perigosos de um mesmo espectro radical - tem várias razões políticas, ideológicas e retóricas, ainda que haja diferenças substanciais entre os objetivos e métodos de cada uma dessas correntes.
1. Retórica de simetria moral: “os extremos tocam-se”
Um argumento muito usado pela direita é a ideia de que “os extremos se equivalem” - ambos “são autoritários, radicais, anti-democráticos e/ou violentos”.
Isto permite:
- Deslegitimar a esquerda como um todo, colocando os seus elementos mais radicais no mesmo patamar da extrema-direita, mesmo quando há claras diferenças de métodos ou intenções.
- Neutralizar críticas à extrema-direita, dizendo que a esquerda “também é extrema”.
- Reforçar uma imagem de moderação da direita, posicionando-se como um suposto “centro sensato” entre dois polos radicais.
Este tipo de equivalência procura funcionar politicamente, mesmo que não seja historicamente e/ou filosoficamente sustentado.
2. Diferenças reais entre os extremos:
É importante reconhecer que os objetivos políticos da extrema-esquerda e da extrema-direita não são simétricos.
Característica |
Extrema-direita |
Extrema-esquerda |
Visão de mundo |
Hierárquica, nacionalista, excludente |
Igualitária, internacionalista, inclusiva |
Identidade e exclusão |
Exaltação de raça, nação, religião; tende a discriminar minorias (étnicas, sexuais, migrantes) |
Luta por direitos de grupos oprimidos; foco em inclusão e equidade |
Métodos autoritários |
Pode defender repressão, censura, violência estatal, culto à autoridade
|
Pode tender ao autoritarismo em regimes históricos, mas em contextos de revolução social e não repressão de minorias |
Discurso público atual |
Frequentemente anticientífico, conspiracionista, revisionista |
Discurso geralmente ligado a lutas sociais e identitárias, mesmo quando radicais |
A extrema-esquerda, ainda que radical nas suas crítica ao capitalismo e ao sistema liberal, luta por uma redistribuição de poder e recursos em favor dos trabalhadores. Já a extrema-direita procura manter ou restaurar as hierarquias tradicionais, muitas vezes com base na raça, no género, na nacionalidade e/ou religião.
3. A questão da violência
Um ponto que a direita usa para justificar a equivalência é o uso da violência por setores da extrema-esquerda, sobretudo os ligados à guerrilhas em certos contextos históricos.
Mas é importante distinguir entre:
- Violência revolucionária contra estruturas de poder (como o capitalismo ou regimes autoritários)
- E violência repressiva ou de extermínio, frequentemente associada à extrema-direita (como neo-nazis, “supremacia branca”, milícias e/ou etnocídio)
Ambas podem usar a violência, sim, mas com objetivos, alvos e justificações radicalmente diferentes.
4. Lutas identitárias e não-discriminatórias
A extrema-esquerda contemporânea é muitas vezes identificada com lutas identitárias - como os direitos LGBTQIA+, igualdade racial, feminismo, etc. Estás lutas não são discriminatórias, mas sim anti-discriminatórias: procuram dar voz e vez a grupos historicamente marginalizados.
A direita, ao tratar estas lutas como “radicalismo identitário”, inverte o discurso e tenta retratar a busca por equidade como uma forma de “discriminação reversa”, o que não se sustenta teoricamente nem juridicamente.
5. Resumo: porque é que esta equiparação é feita?
- É politicamente conveniente para deslegitimar a esquerda e se auto-proteger;
- Serve como arma retórica para evitar enfrentar as especificidades da extrema-direita;
- Ajuda a criar um falso “centrismo” ou “moderação” que se coloca acima dos “dois extremos”;
- Ignora as diferenças qualitativas entre projetos políticos: os que buscam a emancipação social e os que promovem a exclusão e o autoritarismo.