CONSTRUÇÃO DO INIMIGO INTERNO: o caso dos palestinianos
A sociologia crítica permite-nos analisar como os Estados constroem dispositivos de dominação baseados na exclusão sistemática de grupos considerados “inferiores”, “perigosos” ou “inimigos internos”. Tanto o regime nazi como o atual regime israelita, embora distantes em tempo, contexto e ideologia, aplicaram e aplicam formas de poder discriminatório e repressivo, sustentadas por discursos de segurança, purificação étnica, e supremacia de um grupo sobre outro.
Não existe equiparação total entre os dois regimes - o Holocausto foi um evento singular - mas sim uma análise comparativa das estruturas de exclusão racial e nacional, práticas de segregação, e violência legitimada pelo Estado, que em ambos os casos visam desumanizar, controlar e eliminar a presença do outro.
A Construção do Inimigo Interno
Tanto o Terceiro Reich como o regime israelita construíram, em diferentes contextos, a figura do “inimigo interno”: uma população residente, mas sistematicamente representada como ameaça à segurança nacional.
- No regime nazi, judeus, ciganos, homossexuais, deficientes e comunistas foram classificados como elementos degenerados e nocivos para a “pureza ariana”. A sua exclusão iniciou-se através de leis, discursos e propaganda - e culminou em campos de concentração e extermínio.
- No caso israelita, os palestinianos são muitas vezes apresentados, tanto nos discursos oficiais como na prática militar, como potenciais terroristas, demográficos indesejáveis, ou entraves à identidade judaica do Estado. Esta categorização permite a implementação de políticas que vão desde o bloqueio e bombardeamento de Gaza, até à ocupação e colonização sistemática da Cisjordânia.
Leis e Práticas de Segregação
A institucionalização da desigualdade é um traço comum entre ambos os regimes:
- Leis de Nuremberg (1935): retiraram aos judeus a cidadania alemã e proibiram relações com alemães “arianos”, institucionalizando a exclusão racial.
- Legislação israelita: leis como a “Lei do Estado-Nação” (2018), que define Israel como o “Estado do povo judeu”, reforçam a exclusão dos palestinianos como cidadãos de segunda. A existência de sistemas legais separados - um para israelitas (civis) e outro para palestinianos nos territórios ocupados — é reconhecida por organizações internacionais como uma forma de apartheid jurídico.
Espaço Controlado: Guetos, Checkpoints e Muro
- Os Guetos judeus, sob o domínio nazi, foram zonas muradas onde os judeus eram obrigados a viver sob vigilância, em condições sub-humanas, como etapa preliminar ao extermínio.
- A Faixa de Gaza é hoje frequentemente comparada a um gueto moderno: uma população cercada, com mobilidade extremamente limitada, cercada por muros e controlada eletronicamente e militarmente. A ONU e várias ONG denunciam as condições de Gaza como uma prisão a céu aberto, sujeita a bombardeamentos recorrentes, escassez de bens essenciais, e total dependência de um regime que controla fronteiras, eletricidade e água.
- Checkpoints e o Muro de Separação na Cisjordânia criam uma geografia de fragmentação e humilhação quotidiana. Assim como os judeus da Europa foram forçados a usar símbolos de identificação (estrela amarela), os palestinianos são sujeitos a um regime de identificação e autorização permanente, que limita a sua liberdade básica.
Violência Legitimada e Impunidade
Nos dois casos, a violência contra o “outro” é sistematizada, racionalizada e legitimada:
- O nazismo criou uma burocracia do extermínio, onde funcionários, médicos, engenheiros e militares operavam dentro de um “sistema legal e técnico” que tornava a morte em massa “administrável”.
- Israel, com o seu sistema de drones, vigilância, incursões militares e bloqueios, opera uma forma de violência de alta tecnologia, legitimada pelo discurso de autodefesa, mas com um número esmagador de vítimas civis palestinianas - incluindo crianças -, muitas vezes sem consequências jurídicas internacionais. A desproporção é tal que pode ser lida, segundo alguns analistas, como uma forma de massacre étnico seletivo.
Conclusão: Uma Lógica Comum de Supremacia e Eliminação
Apesar das diferenças temporais e históricas, é possível identificar padrões sociológicos comuns entre o nazismo e a política israelita atual:
- Supremacia étnica como base do Estado;
- Produção do “inimigo interno” como ameaça existencial;
- Uso do direito como ferramenta de exclusão;
- Criação de espaços segregados, controlados e vigiados;
- Normalização da violência de Estado.
A crítica sociológica não pode ser conivente com qualquer sistema que reproduza lógicas de dominação racial ou nacional. A ocupação da Palestina, o apartheid legal, os bombardeamentos sistemáticos e o bloqueio total não podem ser moralmente justificados nem relativizados. Tal como a Europa, após a II Guerra Mundial, jurou “Nunca Mais”, hoje é legítimo - e necessário - dizer que “nunca mais” deve significar nunca mais para ninguém.